O processo da Autoridade da Concorrência (AdC) contra 31 sociedades desportivas e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional poderá levar anos, entre instrução e recursos, e não deverá levar à aplicação de sanções máximas, disse à Lusa um especialista.
Segundo o ex-advogado da FIFA Gonçalo Almeida, a fase de instrução agora iniciada, e hoje comunicada pela AdC após uma fase de inquérito que durou desde o ano passado, terá, segundo o enquadramento legal, um período desejável de menos de 12 meses até uma decisão.
“Quais serão os próximos passos [ao que hoje foi comunicado]? Já terá sido concedido um prazo não inferior a 20 dias para os visados se pronunciarem por escrito sobre as questões que podem interessar à decisão do processo”, podendo ainda requerer outras diligências, de requerer audição oral a arrolar testemunhas, explica o advogado.
Em concreto, refere-se à Lei 23/2018 de 20 de junho, a que estipula o novo regime jurídico da concorrência. Daí, “poderá haver decisão de arquivamento, arquivamento ou condenação com condições, ou condenamento”.
Depois de proferida decisão da AdC, cabe recurso que impugna a mesma, para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, “e isto pode durar alguns anos”, o que se multiplica uma vez que dessa sentença pode ainda caber recurso para o Tribunal da Relação.
“Quanto às coimas, a moldura não estipula um valor mínimo, mas estipula um valor máximo. Determina a lei que a coima não pode exceder 10% do volume de negócios gerado no exercício imediatamente anterior da decisão final condenatória”, revela.
Isto é contrário ao que já foi noticiado, e que se reportaria à temporada de 2018/19, e impede de estabelecer qualquer moldura possível, em termos de valores, porque não se saberá quando sairá uma decisão final (que poderá sem da AdC, sem recurso, ou, em última instância, do Tribunal da Relação).
O advogado critica mesmo o “exagero” com que se tem falado de possíveis milhões de euros para as sociedades desportivas acusadas, bem como para a Liga, uma vez que a legislação em apreço tem em conta critérios como a gravidade da infração, a natureza e dimensão do mercado afetado, a duração da infração, que foi de um mês, entre ser anunciada e a medida cautelar aplicada, e os antecedentes.
“Há uma série de critérios que a lei reconhece e que provavelmente no caso em apreço estaremos longe da aplicação de coimas a rondarem o máximo da moldura penal. Parece-me manifestamente exagerado e até um pouco sensacionalista”, criticou.
De resto, há um contexto de “solidariedade” que motivou o “acordo de cavalheiros”, na base do impacto da pandemia da covid-19 nas receitas dos clubes, com os campeonatos suspensos, que não apagando o ilícito acaba por ‘balizar’ o ocorrido num contexto específico.
“A Autoridade da Concorrência veio intervir com uma medida cautelar sensivelmente um mês depois de ter sido tornado público. Colocava em risco, com prejuízo grave para o normal funcionamento deste mercado do ponto de vista concorrencial. Foi um acordo, apesar de se perceber a génese positiva, que não terá sido a melhor das soluções”, refere Gonçalo Almeida.
Gonçalo Almeida lembra que já tinha comentado, em 2020, que o acordo tinha sido “um tiro do pé”, mesmo que alcançado “num determinado contexto e com um propósito que os clubes entenderam como medida urgente e solidária”.
“[Mas] Não deixa de violar a lei, a própria Constituição, não deixa de prejudicar, pelo menos em teoria, as carreiras dos jogadores profissionais de futebol, e a AdC não podia deixar passar isto em branco”, resume.
A Autoridade da Concorrência (AdC) publicou hoje uma nota de acusação à Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a 31 sociedades desportivas, devido à assinatura de um acordo de não-contratação de trabalhadores em 2020.
Em causa está um acordo assinado na reta final da temporada 2019/20, após a pandemia de covid-19 suspender o campeonato, entre clubes dos escalões profissionais, e que foi alvo de um processo em maio de 2020, após uma medida cautelar interposta pela Autoridade da Concorrência.
O objetivo era estes não contratarem atletas que rescindam unilateralmente os contratos por motivos relacionados com a covid-19.
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