Tenho 28 anos, cresci a ouvir o meu pai falar-me de Maradona, mas naturalmente não tive o privilégio de o ter visto jogar fim-de-semana após fim-de-semana e de desfrutar do seu talento. Nestas condições, tanto a mim como a outros da minha geração, a pergunta é quase sempre a mesma: como seria Maradona se jogasse atualmente?

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A questão é utópica, não há respostas certas, apenas palpites. Contudo, há indicadores objetivos: as equipas são melhor organizadas, sobretudo do ponto de vista defensivo, e por isso há menos espaço para se jogar; os jogadores usufruem de um trabalho mais amplo, pormenorizado e conhecedor por parte das equipas técnicas, desde a formação ao alto rendimento, pelo que tanto do ponto de vista físico como tático acabam por ser mais completos; o jogador, sobretudo os talentosos como Maradona, são muito mais protegidos pelos árbitros. Em suma, é seguro dizer que um craque como o argentino seria não menos do que um craque se jogasse em 2020, embora seja difícil de imaginar um jogador com aquele perfil físico e sobretudo psicológico nos tempos que correm, onde o futebol é um meio cada vez mais profissional e controlado.

De uma perspetiva meramente futebolística, Maradona era nas décadas de 80 e 90 um jogador como os melhores atuais. Tecnicamente de outro mundo, sobretudo no que toca ao drible e à condução, capaz de jogar por dentro e por fora e de desempenhar várias posições no último terço, embora baixasse com regularidade, um pouco como Messi o faz. Jogaria, obviamente, em equipas que fizessem da posse de bola o seu ADN, mas também faria a diferença numa equipa que apostasse em ataques mais rápidos, com mais espaço.

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A questão que nos ajuda a perceber melhor o astro que nos deixou, no entanto, é a oposta: como seriam Messi, Cristiano Ronaldo ou Neymar se tivessem jogado no tempo de Maradona?

Seriam grandes, claro está, mas não se imagina a perfeição do futebol de Messi se jogasse constantemente em campos de relva desnivelada, a fantasia de Neymar face a adversários que o ceifassem constantemente sem serem punidos por isso ou a evolução de Cristiano Ronaldo numa época sem as condições, ao nível do know how e das infraestruturas, para que ele se desenvolvesse como desenvolveu.

É um erro demasiadas vezes cometido o de dissociar o jogador (e a pessoa) do seu contexto: Maradona poderia ter usufruído de uma série de vantagens ao jogar na atualidade, mas seria aquele poço de irreverência se não tivesse nascido e vivido num contexto tão instável? Seria ele o mesmo jogador se tivesse crescido numa academia de futebol em que seria castigado quando se atrasasse, treinasse sem caneleiras ou o seu pai interviesse a partir da bancada Teria o mesmo carisma se atuasse numa época em que é normal os assessores de imprensa determinarem aquilo que os jogadores dizem?

Maradona foi o que foi porque jogou quando jogou. Seria sempre incrível, tivesse nascido e jogado antes ou depois, mas não era o mesmo. Infelizmente para mim, que nasci um pouco tarde demais para o apreciar na plenitude.