Assinala-se esta quinta-feira o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. A data foi instituída pelas Nações Unidas, em 1996, em memória das 69 pessoas mortas, em 21 de março de 1960, no chamado Massacre de Shaperville, em Joanesburgo, num protesto contra a Lei do Passe, um dos principais elementos do regime do 'apartheid' que obrigava os negros da África do Sul a terem consigo uma caderneta na qual constava onde podiam ir.
Sobre a realidade portuguesa atual, a ativista Paula Cardoso sublinha que existem pessoas negras para ocuparem "lugares de poder e influência" na sociedade portuguesa, mas a falta de oportunidades dadas é reflexo de Portugal ser visto como um país de brancos.
"Isto acontece porque há a ideia de que Portugal é um país de pessoas brancas e, por outro lado, [de que] as pessoas não-brancas são inferiores e têm um menor mérito. Portanto, são as pessoas brancas que devem ocupar certos lugares [na sociedade]", disse à Lusa a fundadora do projeto Afrolink - um site onde se encontram profissionais africanos e afro-portugueses residentes em Portugal.
Paula Cardoso sublinhou que a narrativa da meritocracia não considera os "pontos de partida" de cada pessoa e como estes determinam as trajetórias de vida que se conseguem alcançar.
"Quando a narrativa é essa, é muito difícil sequer de se questionar do porquê de certas ausências, o porquê de certos corpos não estarem em determinados lugares", referiu.
A ativista disse ainda que na sociedade existem "alguns segmentos que são considerados como mais abertos", nomeadamente a cultura e o desporto.
"No desporto é muito fácil encontrarmos, por exemplo, no futebol, jogadores no campo, nos relvados. Temos muitos jogadores negros. Todavia, depois, quando estamos a olhar para as equipas técnicas, para o lugar de pensamento, o lugar de intelectualidade, esse acesso já não está lá", declarou.
Esta continuidade de exclusões mostra como existem ainda uma série de entraves em relação à presença negra em lugares de intelectualidade, em lugares diferenciados, referiu.
"Há sempre muito esta lógica de a pessoa negra não ter a menor possibilidade de ter um desempenho que não seja excecional. Desta forma, se for excecional, o lugar e a sua presença são tolerados. Nem sequer estou a falar de aceitação, porque a aceitação pressupõe outro tipo de possibilidades. Mas se a pessoa negra deixa de ter o tal desempenho excecional, é logo descartada", declarou.
Segundo Paula Cardoso, esta sub-representação na sociedade portuguesa está "enraizada nas heranças coloniais".
"Continuamos a ter uma classificação de seres humanos em que as pessoas brancas são tidas como a referência e o ideal. Tudo o que não cabe nessa norma fica numa posição de inferioridade e isso indica, justamente, que continuamos a ter um olhar profundamente racista, profundamente racionalizado, daqueles que são os nossos contextos, as nossas histórias, as nossas possibilidades", lamentou.
Mencionou ainda que os africanos e os afro-portugueses sentem o peso da representação na sociedade e que isso lhes tira valor individual, porque passam, sistematicamente, a serem vistos como porta-vozes de um grupo social.
"Há a questão de sermos os únicos negros em muitos contextos. Isso faz com que a responsabilidade seja acrescida, seja um fardo", explicou.
"Lembro-me de, em reuniões de trabalho, me dirigirem perguntas como se eu tivesse uma procuração para falar em nome de todas as pessoas negras, e não tenho. Eu fazia questão de sublinhar isso: Eu não falo em nome das pessoas negras, eu falo em meu nome" referiu.
Explicou ainda que "obviamente", do seu lugar, "observa realidades que uma pessoa branca não observará", mas, em todo o caso, é aquilo que observa enquanto indivíduo.
De acordo com Paula Cardoso, "o ser negro, nesta sociedade, implica carregar uma série de rótulos que excluem de uma série de possibilidades".
Tais rótulos, segundo enumerou, passam por "uma série de comportamentos que são esperados, tendencialmente maus comportamentos", tais como atrasos - de horários e de uma menor capacidade de trabalho.
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