As divulgações de documentos na plataforma ‘Football Leaks’ poderão ter tido um contributo na moralização do futebol em relação à proibição da participação de fundos de investimentos, admitiu hoje o antigo administrador da SAD do Sporting Carlos Vieira.

Na audição realizada de tarde na 11.ª sessão do julgamento, no Tribunal Central Criminal de Lisboa, o ex-vice-presidente do clube de Alvalade lembrou que os ‘leões’ já se tinham manifestado contra o fundo de investimento Doyen e que existia mesmo um “mal-estar” antes da publicação de contratos na Internet, reconhecendo que o impacto mediático dessa situação “poderá ter ajudado” enquanto “complemento a um processo bastante visível”.

“Pessoalmente, entendo que pode ter criado um ambiente propício à decisão [de proibição da partilha de passes de jogadores com fundos de investimento pela FIFA]”, afirmou Carlos Vieira, salientando que o Sporting tinha iniciado anteriormente “um conjunto de contactos a nível nacional e internacional” nesse sentido.

No entanto, o ex-administrador da SAD ‘leonina’ não deixou de vincar que esse efeito de moralização do futebol abrangeu apenas os documentos relacionados com fundos, como a Doyen, e considerou “voyeurismo absoluto” a divulgação de outros documentos, nomeadamente o contrato do então treinador Jorge Jesus.

“Foi o que gerou mais incómodo. Isso gerou polémica pelos valores, fomos acusados de perder a cabeça”, confessou Carlos Vieira, sem deixar de notar que não havia nada de ilícito por parte do Sporting: “Eram contratos que só interessavam às partes e que não divulgaríamos. Foi só o incómodo de se saberem alguns segredos, mas nada de irregular”.

Questionado pela procuradora do Ministério Público (MP), Marta Viegas, sobre o impacto causado pela divulgação dos documentos do Sporting no ‘Football Leaks’, o antigo administrador ‘leonino’, que integrou a SAD sportinguista entre 2013 e 2018, situou a perturbação em duas esferas distintas.

“Em primeiro lugar, reputacional; a nossa correspondência foi violada e não fomos diligentes a tratar do assunto. Depois, houve assuntos que não gostaríamos que fossem divulgados, como questões de foro negocial, que não prejudicaram, mas que demonstravam aspetos negociais do Sporting que entendíamos como vantagens competitivas e que depois passaram a ser copiados por outros clubes”, resumiu.

Ao longo da audição, Carlos Vieira confirmou também vários contratos e esboços de contratos que foram divulgados na plataforma eletrónica criada por Rui Pinto como tendo passado pela sua caixa de email, esclarecendo que “nada foi alterado” aquando da sua publicação online. A sessão incluiu ainda as audições a Bruno Cardoso, antigo elemento do clube ligado ao ‘scouting’ do clube, e Sancho Freitas, ex-assessor para a administração da SAD do Sporting.

O julgamento do processo ‘Football Leaks’ continua na quarta-feira com as audições das testemunhas Rui Caeiro, Octávio Machado e Paulo Antunes da Silva na parte da manhã, com a tarde a ser preenchida com as declarações de José Laranjeira, Augusto Inácio e Vicente Moura.

Rui Pinto, de 31 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.