Os problemas associados à adição a apostas desportivas ‘online’ exigem maior aposta na prevenção e na investigação, para que se saiba mais sobre os apostadores, defende o especialista em jogo Pedro Hubert.
Segundo o psicólogo, que lidera o Instituto de Apoio ao Jogador, o problema tem várias faces e chega a pessoas de qualquer estrato, com a “ilusão de controlo” a afetar os próprios envolvidos no fenómeno em si.
“No caso de atletas de alta competição que desenvolveram adição, estão habituados a jogar futebol desde novos, sabem muito sobre futebol, têm ilusão de controlo. A certa altura, querem apostar mais e mais, os resultados nem sempre são óbvios, e daí ficam mais vulneráveis a serem aliciados, porque precisam de dinheiro”, explica, em entrevista à Lusa.
É o caso recente de Daniel Esteves, jogador sem clube suspenso pelo Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) por um ano, depois de apostar na vitória da própria equipa, então o Marinhense, em 2021/22.
No último ano, foram conhecidos alguns casos semelhantes no estrangeiro, alguns dos quais mediáticos, como por exemplo o inglês Ivan Toney, do Brentford, da Premier League, ou os médios Sandro Tonali e Nicolò Fagioli, do Newcastle e da Juventus, respetivamente.
Esteves foi condenado a 12 meses, cinco deles com terapia, depois de 663 apostas registadas em jogos oficiais em Portugal, entre julho de 2021 e janeiro de 2022, entre eles dois jogos da própria equipa, em que jogou.
Pedia dinheiro emprestado a colegas de equipa, segundo se pode ler no acórdão do Conselho de Disciplina, e tinha uma relação complicada com a equipa, começando o vício a afetar o rendimento em campo.
Este caso segue-se, em Portugal, ao de um árbitro, André Baltasar, em abril de 2023, que confessou o vício das apostas, pedindo depois a autoexclusão das plataformas autorizadas.
Os dados do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) relativos ao terceiro trimestre de 2023, os últimos conhecidos, mostram 205,2 mil novos registos nesse período, um aumento de 7,8% em relação ao trimestre anterior, com 8,3% de aumento nos autoexcluídos, para 196,6 mil pessoas.
Com 38% relativo às apostas ‘online’, a atividade de jogo gerou 215,3 milhões de euros em receita bruta, 36% acima do trimestre homólogo, com o Imposto Especial de Jogo Online a angariar 64,8 milhões de euros, mais 28,7 milhões em relação ao mesmo período do ano anterior.
Quanto aos novos registos, mais de 80% tinham idade inferior a 45 anos, com quase um terço relativos a pessoas com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos.
Pedro Hubert alerta para a taxa alta de novos registos entre “a população muito nova”, além do valor de autoexclusão, “três estádios da Luz cheios”. “Ninguém pede autoexclusão se não tiver problemas de jogo”, lembra.
“As estatísticas em Portugal não mentem, com milhares e milhares de jovens que começam a jogar. Muitos jovens que atendemos, com 18 ou 19 anos, começaram a jogar com o cartão de cidadão do irmão mais velho, às vezes com a conivência dos pais”, reforça.
A “muita, muita publicidade”, defende, deveria ser regulada, a começar pela sua proibição durante eventos desportivos, alertando para a necessidade de mais meios financeiros para as entidades públicas, quer na prevenção quer no tratamento.
Por outro lado, “falta muita investigação”. “Em Portugal não sabemos quem são as pessoas que jogam. Das pessoas autoexcluídas, o SRIJ não diz quem são. Não sabemos se são mais novos, velhos, homens ou mulheres, como jogam”, atira.
Para melhorar a situação, ou combatê-la de forma mais eficaz, “é preciso dotar os serviços públicos de meios”, tornar mais visíveis as linhas de apoio nas plataformas de jogo, bem como os Jogadores Anónimos e outros projetos.
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