O futebol é um dos setores mais inclusivos e multiculturais da sociedade, concordaram hoje os treinadores Domingos Paciência e Abel Xavier, num debate ‘online’ promovido pela Liga de clubes, no âmbito da campanha “Racismo Não – Somos Iguais”.
A campanha vai decorrer durante a 27.ª jornada das I e II ligas de futebol, a partir de sexta-feira, em todos os campos do país, e arrancou com o ‘webinar’, que tinha como objetivo debater “a importância do futebol na luta pela igualdade”.
“O futebol criou-nos uma personalidade onde nós nunca distinguimos raças. A mim, criou-me uma personalidade e convivi com vários jogadores, oriundos de várias partes do mundo, de cor negra, religiões diferentes e nunca senti isso no balneário, quer como jogador, quer como treinador”, assegurou Domingos Paciência.
O antigo jogador do FC Porto aproveitou, também, para ‘assinar por baixo’ e repetir uma das primeiras intervenções de Abel Xavier no debate, quando o luso-moçambicano afirmou que “não existem raças, a única raça que existe é a raça humana”.
Antigo internacional português, nascido na região de Nampula, que se converteu ao islamismo no final da carreira de futebolista, Abel Xavier lembrou o papel de “alterações fraturantes” no “processo evolutivo do futebol” e deu como exemplo “a Lei Bosman”, que facilitou a “livre circulação” de jogadores entre os diferentes países.
“Não podemos esquecer-nos de que determinados países eram exclusivos relativamente à entrada de jogadores e passaram a ser inclusivos. O futebol fez o seu trabalho, conseguiu unificar, dar o direito de igualdade e, a partir daí, elevou-se aos seus valores atuais”, comentou o ex-selecionador de Moçambique.
Também presente no painel de oradores, o coordenador da Fundação do Futebol, Luís Estrela, admitiu que existe um “conjunto de formas de discriminação”, quer seja “racial, cultural, de etnia, religiosa, sexual, entre outras” que levam a “comportamentos muito primários”.
Esses comportamentos, que acabam por partir sobretudo das bancadas, “acabam por ganhar uma dimensão que ninguém quer”, até porque “o futebol é global e inclusivo” na sua essência.
“Na Liga Portugal temos 594 jogadores utilizados até ao momento, nesta época, e só 40,28% são portugueses. Temos mais de 50 nacionalidades. O futebol não é, certamente, o setor da sociedade que mais tem esse ‘carimbo’ racista ou discriminatório. Pelo contrário, é inclusivo e uma plataforma que recebe todas as culturas, credos e orientações sexuais”, assumiu Luís Estrela.
De acordo também quanto ao ‘problema’ vindo das bancadas, Abel Xavier e Domingos Paciência frisaram que cabe a “todos os agentes” fazerem a sua parte para reduzir ou extinguir esses comportamentos discriminatórios, sobretudo raciais.
“Quando o adepto tem de descarregar as suas frustrações, o futebol parece uma arena que permite tudo. Não sei se, no fundo, são atos de racismo. Acho que tem mais a ver com o sentimento de pertença, de estar a perder, de as coisas não correrem bem na vida pessoal. É muito mais fácil atacar a cor de um atleta ou a sua religião”, comentou Abel Xavier.
Já Domingos Paciência fez distinção os adeptos que veem “o futebol como um espetáculo, com amor”, e os que lhe associam “sentimentos como a raiva, totalmente diferentes do que deve viver num estádio”, mas responsabilizou o distanciamento que os clubes ‘cavaram’ entre os adeptos e os jogadores.
“O tipo de problema a que assistimos hoje acontece porque os jovens deixaram de ter contacto de proximidade com os jogadores. Os clubes só querem saber dos adeptos ao domingo e isso leva a que essa ligação dos adeptos com o católico, o negro ou o muçulmano não exista”, criticou Domingos Paciência.
Presente no ‘webinar’ esteve também o árbitro sul-africano descendente de portugueses Vítor Gomes, que apitou a final da Taça das Nações Africanas (CAN) deste ano e já tem presença confirmada no Mundial do Qatar, no final do ano.
Dificuldades técnicas relacionadas com o seu som, no entanto, impediram-no de intervir durante mais de metade do debate, mas o ‘juíz’ ainda conseguiu afirmar que a África do Sul, historicamente marcada pelo regime de ‘apartheid’, está agora a viver uma “nova página”.
“As coisas estão muito melhores, mas ainda temos muito para fazer. Não se pode parar. Temos de trabalhar contra isso e é importante estarmos unidos para colmatar esse problema”, lembrou Vítor Gomes.
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