Os sistemas de três centrais, ou que partem com uma linha recuada de três jogadores, não foram inventados nos últimos anos. Já nos anos 30, Herbert Chapman, pioneiro do histórico sistema WM, preconizava uma linha de três, que servia de base a um sistema de 3-2-2-5. Foi o Brasil, no seu primeiro campeonato do mundo, em 1958 na Suécia, que mediatizou o primeiro sistema com uma linha de quatro defesas, cortando com os sistemas de dois ou de três defesas.

Surgiram, a partir daí, as primeiras variações da linha de quatro. A Inglaterra, campeã do mundo em 1966, já se apresentava num 4-3-3, num ano em que a histórica seleção portuguesa escolhia apresentar-se num 4-2-4. Talvez tenha sido Helenio Herrera, com o seu 5-3-2 – o Catenaccio a abrir as portas para que a linha de três se tornasse mais difundida, e para, quem sabe, criar o estigma de que uma linha de três/cinco seria defensiva.

As linhas de três defesas centrais modernas, em que supomos que existam dois laterais à largura, só parecem ter atingido mediatismo nos anos 80, muito a reboque do sucesso de Cruyff entre o Ajax e o Barcelona, em 3-4-3. Também a Argentina de Maradona (ou, mais propriamente, de Carlos Bilardo) se tornaria campeã do mundo em 1986 num 3-5-2. Ainda assim, durante os anos 90 e o começo dos anos 2000 pareciam ser uma raridade as equipas europeias que se apresentavam com uma linha de três. Por certo existiriam: Jorge Jesus já o fazia em algumas das suas equipas, por exemplo. A certo ponto pareceu começar a ser uma ideia disseminada na Série A, até parecer tornar-se num padrão.

Numa análise rápida, recorrendo aos dados do zerozero.pt podemos assumir que das 24 equipas do Euro 2024, 11 delas já iniciaram um jogo com uma linha de três – Portugal incluído. Praticamente metade. Dir-se-ia que nos anos 90 e começo dos 2000 era perfeitamente possível fazer uma carreira de topo na Europa sem quase nunca jogar numa linha de 3 centrais. Hoje parece impossível. Se olharmos para as equipas de topo do futebol mundial, os exemplos de treinadores multiplicam-se, desde Guardiola – a espaços – passando por Conte, Tuchel, ou até por Rúben Amorim.

Porquê esta mudança? Em primeiro lugar, importa perceber que, embora a cultura seja adaptativa, nem sempre se adapta para melhor ou para mais eficiente. Quer isto dizer que todos os anos emergem grandes equipas em linhas de quatro e de três, e que falar da disseminação deste sistema quer dizer muito pouco sobre qualquer superioridade espacial que dele se possa obter.

Podemos, então, chegar à aborrecida conclusão de que os treinadores se copiam  uns aos outros e que, portanto, estamos todos submersos num caldo cultural que faz com que, em algum momento, adoptemos uma ideia porque a vemos e nos parece bem assim. Pior: que talvez daqui a uns anos cheguemos a novas conclusões baseadas no que entretanto pensámos e vimos, sem sequer conseguir detectar a origem da ideia.

Outro dos grandes problemas de apontar, de forma taxativa, opiniões sobre sistemas tácticos no abstrato, é que um 3-4-3 pode ter mais a ver com um 4-4-2 do que com outro 3-4-3. É, como é repetitivamente afirmado, uma questão de dinâmicas. Desta maneira, boa parte das conclusões que se retiram sobre sistemas partem do erro de que certa sub-dinâmica acontecerá mais facilmente nesse sistema. O que talvez possa ser verdade, mas é facilmente reversível.

A maioria das variações de sistemas de três defesas parte do 3-5-2 ou do 3-4-3. Entre as duas, o único denominador comum parece ser a possibilidade da existência de uma linha de cinco a defender, no último terço. Contudo, especialmente em equipas que pressionam alto, também isto é altamente adaptável e dependente: basta que os laterais procurem pressionar os laterais adversários, como muitas vezes acontece quando se defrontam equipas com linhas de quatro, e esta ideia cai logo por terra.

Outra questão comummente apontada ao 3-4-3 é a inferioridade numérica a meio-campo, em especial em equipas que partam do 4-3-3 ou, precisamente, do 3-5-2. A solução muitas vezes encontrada passa pela saída de um dos centrais entrelinhas ou, em zonas mais avançadas, do recuo de um dos três jogadores da frente para o sector intermédio.

Com bola, temos visto muitas equipas a criar esta igualdade e/ou superioridade numérica de maneira idêntica: quer seja em criação através dos extremos a funcionarem como terceiro médio (veja-se Bernardo, na selecção, tantas vezes por dentro), quer seja em construção, quando um dos centrais passa para as costas da primeira pressão (veja-se Coates, no Sporting) e serve de referência para bater a primeira linha adversária.

Em sentido contrário, outra das grandes vantagens apontada parece ser a dos laterais poderem estar projetados desde o começo, quer em construção, quer em criação. Mas veja-se, novamente usando o exemplo da seleção (que partiu de um 3-4-3 frente à Chéquia) como isto pode ser adaptável: na verdade, o jogador que conferia largura era até o central de fora (Nuno Mendes), enquanto o lateral (Cancelo), tipicamente jogador de largura, funcionava em permanência como terceiro médio.

O advento do sistema de três centrais na elite do futebol europeu é uma realidade, e dizer que se trata de uma moda não é sequer dizer melhor ou pior dele. É apenas dizer que se tornou mais recorrente, e que talvez se torne menos recorrente daqui a 20 anos. Apontar-lhe vantagens está essencialmente na concepção de jogo de cada treinador, até porque, como já vimos, os três defesas às vezes são quatro, outras vezes são cinco, e noutras podem até ser dois.

Pior: isto é tudo possível partindo ainda de outros sistemas. Pede-se, assim, desculpa por rematar o texto ainda com maior confusão, ao invés do tradicional desenlace em que se resolve o problema com uma frase certeira. Viveremos ainda para ver a morte dos sistemas tácticos?.