Que os Jogos Olímpicos estão a mudar, já se sabia. A inclusão de novas modalidades no maior evento desportivo do mundo é prova disso mesmo. Em Tóquio2021 assistimos às estreias do surf, skate, escalada e karaté, numa tentativa do Comité Olímpico Internacional de cativar um público mais jovem.

Esta demonstração de inovação vai repetir-se nos Jogos de Paris2024, na qual se mantêm os três primeiros desportos – o karaté ficou pelo caminho – e aos quais se junta, agora, o breaking. O nome poderá não lhe dizer nada, mas se usarmos o termo breakdance (pelo qual é popularmente conhecido, ainda que não seja o correto), talvez lhe soe mais familiar. A ideia de juntar esta dança urbana aos Jogos Olímpicos ganhou força em 2018, após o sucesso verificado nos Jogos Olímpicos da Juventude, em Buenos Aires, sucesso esse que se traduziu na sua inclusão em Paris2024.

"Queremos ligar-nos a desportos que são disputados em todo o mundo para darmos aos Jogos uma dimensão mais urbana, ligada à natureza mais artística", justificou o presidente do comité organizador dos Jogos de Paris2024, Tony Estanguet, no momento de propor a inclusão do breaking.

Dentro da modalidade, a notícia foi recebida com entusiasmo, mas também com alguma "polémica", conforme explicou ao SAPO Desporto Júlio Lisboa, responsável pelo Departamento de Breaking da Federação Portuguesa de Dança Desportiva (FPDD).

"Ainda antes de ser oficial, havia um medo da parte dos praticantes da modalidade de que esta perdesse a sua identidade. Por ser considerada uma arte e de repente estarem a olhar para ela como uma modalidade desportiva. Andou-se às voltas durante algum tempo", conta Júlio, também ele praticante de breaking.

O que mudou entretanto? "As pessoas aceitaram que isto, na verdade, ia ser apenas mais uma plataforma. Aquela que é a sua dimensão cultural vai continuar a existir, mas agora também existe esta vertente mais desportiva. Pensando em quem está de fora, o facto de apresentar o breaking como sendo uma modalidade olímpica dá logo outra dimensão à coisa. E é também uma forma elevar a modalidade a uma dimensão mais profissional", explica.

O responsável entende, portanto, a escolha do Comité Olímpico Internacional: "Percebeu facilmente que o breaking, assim como o skate e como o surf, iam modernizar os Jogos Olímpicos e trazer outro tipo de público."

Um estilo de vida e, agora, também de atleta

Sendo uma das várias formas de expressão de danças urbanas, o breaking surgiu no início dos anos 70 no Bronx, em Nova Iorque, durante uma festa de aniversário em que o DJ Kool Herc reparou que os jovens dançarinos reagiam com mais entusiasmo sempre que entrava o ‘break’ – parte da música em que apenas se ouve a percussão.

Por esta altura, proliferava a violência entre 'gangs' nos bairros mais problemáticos e o 'breaking' acaba por surgir de forma orgânica dentro deste contexto, não necessariamente como uma resposta, mas como um escape através da dança e do seu lado mais festivo e positivo.

As disputas nas ruas mantiveram-se, mas passaram a acontecer sob a forma de batalhas entre grupos (ou ‘crews’, dentro da gíria) de B-boys (praticantes de breaking no masculino, no feminino usa-se o termo B-girl), com movimentos inovadores, muitos deles acrobáticos, improvisados ao som de uma música.

O breaking nas ruas de Nova Iorque
O breaking nas ruas de Nova Iorque créditos: DR

Do submundo à cultura mediática (foi usado em filmes como "Flashdance"), o breaking foi ganhando cada vez mais seguidores. "Tornou-se uma grande moda na Europa nos anos 80, e em muitos países continuou assim, como na França, Alemanha e Itália. Mas em Portugal quebrou completamente", conta Júlio Lisboa.

Acabaria por ganhar um novo fôlego na segunda metade da década de 1990, mais vincada na região norte do país, à volta do Porto.

"Nessa altura havia mais b-boys no liceu de Gaia do que no país todo. É verdade que o norte deu uma força, o primeiro campeonato nacional aconteceu em Gaia, em 1999… Mas hoje em dia não há rivalidades", nota Júlio Lisboa (também conhecido como Jul Nako), que é comummente apontado como um dos impulsionadores do breaking no país.

Apesar da sua mediatização, que culminou com a entrada nos Jogos Olímpicos, o breaking não perdeu o espírito livre e continua a ser preponderante como formador de indivíduos. De tal forma que em 2020, em plena pandemia, a Câmara Municipal do Porto decidiu levar esta dança urbana a zonas mais desfavorecidas na cidade, no âmbito do programa "Desporto no Bairro".

O projeto é coordenado no terreno por Max Oliveira, diretor do MXM ArtCenter e fundador dos Momentum Crew, já com vários títulos mundiais no seu currículo, e continua a ser um sucesso entre crianças e jovens, agora com outras modalidades além do breaking.

A entrada nos Jogos Olímpicos

Foi em dezembro de 2020 que o breaking foi oficialmente confirmado na próxima edição dos Jogos Olímpicos, em Paris. Já o tinha sido nos JO da Juventude de 2018 em Buenos Aires, sob a forma de batalhas ou duelos decididos por um júri.

Na tentativa de agilizar este processo, a Federação Portuguesa de Dança Desportiva (FPDD) decidiu criar um departamento específico para o breaking. "Ainda estamos numa fase muito experimental, em que está tudo a ser criado de raiz", explica Júlio. "Estamos a criar formações, tanto a nível de atletas, treinadores, juízes de prova; criar campeonatos, tentar desenvolver as camadas jovens… Há um trabalho infinito a nível administrativo para tudo isto acontecer", continua.

A estreia olímpica do breaking está prevista para os dias 9 e 10 de agosto de 2024, na icónica Place de la Concorde, na capital francesa. A competir estarão, numa prova, 16 b-boys e, noutra, 16 b-girls, que vão competir em eliminatórias de 1vs1, enquanto são avaliados por um juiz. Quem receber mais pontos avança para a fase seguinte.

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Os 32 atletas qualificados para os Jogos Olímpicos serão conhecidos da seguinte forma: um apurado diretamente pelo Campeonato do Mundo (masculino e feminino); cinco apurados diretamente através da vitória nos cinco jogos continentais (masculino e feminino); e, por fim, os 10 melhores classificados no "Olympic Qualifier Series" (OQS), que irá decorrer entre março e junho de 2024.

Será nesta última vertente que Portugal poderá ter chances de se qualificar para Paris2024. Num total de 40 vagas disponíveis, e excluindo os atletas qualificados por outras vias, é necessário estar entre os 34 melhores do ranking mundial para chegar aos OQS. A posição no ranking vai sendo determinada pela prestação destes atletas ao longo de várias provas que vão decorrer até março de 2024, altura em que terão início os "Olympic Qualifier Series".

Neste momento, Portugal tem a b-girl Vanessa Marina no 7.º lugar do ranking mundial feminino e o b-boy Diogo Oliveira em 34.º na lista masculina. "A última prova no Japão não correu como esperávamos, porque o Diogo estava em 25.º. Vamos tentar recuperar já na próxima competição, que vai ser no Brasil, em abril", manifesta Júlio Lisboa, que se mostra confiante numa representação portuguesa do breaking já na próxima edição dos Jogos Olímpicos.

Pode consultar mais detalhadamente o processo de qualificação para os Jogos Olímpicos aqui.

Medalha é o sonho de Vanessa Marina

Historicamente, os EUA, o Japão e a França são apontados como as grandes potências do breaking. O atual campeão mundial é o norte-americano Victor Montalvo (B-Boy Victor), enquanto o título feminino foi entregue à japonesa Ayumi Fukushima (B-Girl Ayumi). A próxima edição do Campeonato do Mundo está marcada para setembro deste ano, em Lovaina, na Bélgica.

Mas outros talentos começam a emergir dentro da modalidade. Vanessa Marina (B-Girl Vanessa) teve em 2022 o melhor ano da sua carreira com uma medalha de bronze no Campeonato da Europa, em Manchester, e um lugar no top-8 da Red Bull BC One, uma das mais conceituadas competições da modalidade, em Nova Iorque. Neste momento, ocupa o 7.º lugar do ranking mundial.

Vanessa Marina em ação
Vanessa Marina em ação créditos: DR

Com uma infância ligada à dança contemporânea e ao ballet, a atleta de Leiria começou a praticar hip-hop durante a adolescência em Leiria, impulsionada pelos videoclipes que assistia na MTV de artistas como Destiny's Child, Justin Timberlake ou Ne-yo. Em 2009, na "Eurobattle" do Porto, teve o primeiro contacto com a vertente competitiva da dança. "Foi quando vi que havia um mundo completamente diferente e pessoas de todos os países", explica, em declarações ao site do Comité Olímpico de Portugal.

O sonho da dança levou-a, numa primeira fase, até Lisboa, onde se formou na Escola Superior de Dança e começou a dedicar-se ao breaking, e depois até Londres, onde vive atualmente. "Quando vim para Londres comecei a levar [o breaking] mais a sério, as pessoas eram mais competitivas e foi quando me dediquei mais", conta.

Apontada como um dos nomes mais fortes a representar Portugal em Paris 2024, Marina mantém o objetivo de ficar entre as 16 b-girls apuradas: "Vamos ter mais do dobro das competições que tivemos este ano e vai ter de ser um trabalho muito focado, mas o meu objetivo é fazer parte do top-16 que estará nos Jogos Olímpicos. E ganhar uma medalha, que vai ser muito difícil porque o nível é tão alto, é um sonho."

Por ter um "formato completamente diferente", a dançarina portuguesa considera que a estreia do breaking nos Jogos Olímpicos será "um sucesso".

"Uma entrada nunca vai ser igual, é uma coisa mais espontânea, o DJ escolhe a música e nós nunca sabemos o que vai tocar. Depois temos de improvisar. Os movimentos nunca vão sair da mesma maneira se quisermos fazer essa performance outra vez. Em Buenos Aires foi feito com jovens, em que o nível também é alto, mas a categoria de adulto vai ser espetacular e vai cativar muita gente a começar a ter mais interesse, porque realmente há uma diferença muito grande", nota.

Que futuro?

Com a inclusão do breaking nos Jogos Olímpicos de Paris, a expectativa é de que a modalidade continue a crescer e, com isso, venha a marcar presença noutras edições futuras. "A margem de evolução é muito grande. Basta olhar para as camadas jovens do breaking neste momento para imaginar o futuro desta modalidade", começa por dizer Júlio Lisboa.

"Estamos a falar de pessoas que trabalham em condições amadoras. Praticamente ninguém treina sem uma preparação física paralela, com um nutricionista a acompanhar, com um fisioterapeuta a acompanhar, com a logística e as infraestruturas adequadas ao que a modalidade exige. A partir do momento em que tudo isto começar a acontecer, a evolução vai ser enorme. Ao nível da performance e também da estrutura", nota o responsável pelo departamento de breaking, dando o exemplo do skate, que se estreou em Tóquio2020, como uma modalidade com uma estrutura mais profissional.

A terminar, Júlio destaca "o esforço admirável que a comunidade tem feito para se adaptar a esta realidade". "Estamos habituados a ser donos de nós próprios. Tal como existe um esforço muito grande da parte da Federação e do COP, a quem só tenho de agradecer", ressalva.

Ainda assim, não obstante o óbvio crescimento do breaking em Portugal (estima-se que neste momento tenha entre 200 e 300 praticantes), nem tudo tem sido perfeito nesta caminhada.

"O que está a correr menos bem - e isto é a triste realidade transversal a qualquer modalidade, à exceção do futebol - é a falta de visão das marcas e das grandes empresas portuguesas quando chega o momento de apoiar este tipo de projetos. É frustrante adivinhar que toda a gente vai acordar quando isto for um sucesso nos Jogos Olímpicos. E todos vão querer entrar já com dois anos de atraso, para não dizer mais", termina.