O episódio da agressão a um repórter de imagem da TVI, no final do jogo entre o Moreirense e o FC Porto, voltou a manchar o futebol português e reacendeu o debate sobre a violência na modalidade. Em todas as épocas desportivas são registados casos de agressão física e/ou verbal, desde pais a adeptos, passando por jogadores, treinadores, dirigentes a jornalistas. O fenómeno não é novo e no entanto nunca deixou de ser atual.

Para Jorge Silvério, especialista em psicologia do desporto, a violência no contexto futebolístico surge a partir de um "descontrolo emocional" e não de uma forma premeditada.

"Normalmente não há uma intenção de atingir o outro, é algo mais irracional e que surge no calor do momento. No entanto, este descontrolo não pode ser usado como desculpa para tudo" começa por explicar Jorge Silvério ao SAPO Desporto.

Além das emoções à flor da pele, a competitividade e a necessidade de vencer também podem suscitar comportamentos mais agressivos. "Ainda enfatizamos muito o resultado final, sobretudo a vitória. E isso leva-nos a ter comportamentos desadequados, que podem depois levar à violência", acrescenta.

A forma intensa como o futebol, por vezes, é vivido vai de encontro às palavras de Sérgio Conceição a propósito do desentendimento com Paulo Sérgio, durante o encontro entre Portimonense e FC Porto, no passado dia 20 de março.

"São coisas de quem vive o jogo de forma apaixonada, se calhar de forma exagerada. Lamento a situação, mas são coisas que se passam dentro do campo. Se calhar de uma forma mais percetível agora, porque não existe público. Mas estas coisas aconteciam em vários bancos", justificou o técnico portista, após o apito final.

Nestas declarações, Sérgio Conceição aponta também para a questão da ausência de público nos estádios, devido à pandemia da COVID-19, e para uma mudança de foco para o que acontece junto ao relvado, nomeadamente nos bancos de suplentes. O que se passa nas bancadas deixou de interessar, uma vez que estão vazias. Jorge Silvério concorda.

Recorde os casos mais mediáticos de violência no futebol português

"Acho que havia uma ênfase demasiado grande na questão dos adeptos. Pensava-se que tudo quanto era violência no futebol tinha a ver exclusivamente com os adeptos, sejam eles parte de grupos organizados ou não. Agora o foco mudou. As câmaras passaram a apontar mais para os bancos e a apanhar comportamentos que noutra altura até podiam passar despercebidos com o barulho ambiente, mas que agora são muito mais evidentes", explica.

O psicólogo aponta ainda para o impacto causado pela própria pandemia na saúde mental, que levou a um aumento do stress e da ansiedade. E o desporto, neste caso o futebol, não é exceção: "É sempre complicado generalizar, mas é verdade que há uma maior irritabilidade das pessoas nesta fase. Não nos podemos isolar numa bolha e esquecermos que estamos a viver uma situação complicada. Também acaba por influenciar este tipo de comportamentos."

Muitos culpados

Discutir lances de arbitragem tornou-se recorrente no futebol português. Seja nos programas televisivos dedicados à análise do desporto-rei, no discursos dos dirigentes ou nas redes sociais, há um foco constante "nos aspetos negativos" de um jogo, de acordo com Jorge Silvério.

"Perdemos demasiado tempo a analisar casos e polémicas, depois a ideia que passa é que o futebol é só isto, quando temos exemplos tão bons de desportivismo e fair-play. Todos os envolvidos, a começar obviamente pelos clubes, deveriam ter o cuidado de passar uma mensagem mais positiva e não de ataque", começa por defender o especialista, apontando para a importância do futebol como "escola de valores".

"Não nos podemos esquecer que um dirigente, um treinador, um atleta são modelos para a própria sociedade. Há muitos jovens que crescem a idolatrar jogadores, sendo que tudo aquilo que eles fizerem vai ser depois repetido e imitado. Além disso, há muitos valores que estão associados ao desporto: o respeito pelo outro, a tenacidade, o saber perder, o saber ganhar... Felizmente temos muitos bons exemplos no desporto e no futebol, mas é sempre o lado negativo que é repetido até à exaustão", lamenta.

A comunicação social também tem a sua quota-parte de culpa, dando azo a manifestações que antes não tinham espaço público. A SIC e a TVI chegaram mesmo a pôr fim aos programas de desporto com comentadores que representam clubes. No entanto, Jorge Silvério considera que é preciso mais: "Continua a falar-se muito pouco das coisas positivas."

Como controlar?

Estando identificadas as causas que levam a determinado comportamento, o passo seguinte passa por perceber como evitar que o mesmo se repita. E aqui falamos exclusivamente de um ponto de vista individual.

"Puxando um bocado a brasa à minha sardinha, é evidente que estes aspetos são passíveis de ser controlados e trabalhados. Muitas pessoas pensam que não é preciso fazer um trabalho ao nível do controlo emocional, e basta dizer: 'Sou mais descontrolado, nasci assim e não há nada a fazer'. Pelo contrário. É um exercício que pode e deve ser feito ao longo da vida", defende Jorge Silvério.

"É essencial perceber o que é que espoleta essa violência, que situações ou que pensamentos estão a desencadear essas reações mais descontroladas. E depois tentar trabalhar sobre isso, aprender técnicas de relaxamento e de controlo emocional, que lhe permitam responder de outra forma quando as coisas correm menos bem. Esse trabalho pode ser feito sozinho ou com a ajuda de alguém especializado", refere.

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