Sete meses depois do regresso do futebol, há algo que, passe o tempo que passar, nunca ninguém se irá habituar, nem treinadores, nem jogadores, nem dirigentes: o silêncio ensurdecedor das bancadas.

A última vez que um jogo em Portugal teve público, sem qualquer limitação, álcool gel por todo o lado, distanciamento social ou máscaras obrigatórias foi a 9 de março de 2020.

Nesse dia, o Leixões recebeu e empatou frente ao Farense para a II Liga, numa partida que contou com 4234 espectadores e que foi a última da competição nessa época, antes de ser dada como terminada meses depois.

Desde aí, houve testes nos Açores, em alguns jogos da I e II Liga e nos jogos da Seleção, mas o piorar da pandemia veio travar o regresso dos fãs do desporto-rei, que continuam a ter de se ficar pelos ecrãs para acompanhar a sua equipa.

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Com estas limitações os clubes têm tentado levar os adeptos aos estádios, sem os tirar de casa. Para isso recorreram às ‘video walls’, como se viu nos jogos de Belenenses e Santa Clara na Cidade do Futebol no final da época de 2019/2020, com ecrãs gigantes colocados ao longo do relvado.

Além dos ecrãs gigantes, também a realidade aumentada tem sido peça importante para levar os fãs ao jogo, como aconteceu na Final Four da Taça da Liga, ou nos jogos dos ‘grandes’ da 16.ª jornada da Liga NOS, dois dos casos que analisamos mais à frente.

Mas não foi só o futebol português que se teve de adaptar a estes novos tempos: o MotoGP recorreu a uma bancada virtual nas suas provas do campeonato, a única onde os portugueses puderam celebrar a vitória de Miguel Oliveira. Também na NBA, a 'bolha de Orlando', onde se completou o campeonato da última época, contou com ecrãs gigantes em redor do campo onde, via Microsoft Teams, os adeptos reagiam aos jogos.

Taça da Liga inova com realidade aumentada

Por cá, a Liga teve de lidar com este problema na Final Four da Taça da Liga, realizada no passado mês de janeiro, em Leiria.

Impedida de realizar a habitual 'Fan Zone', a Liga apostou no conceito de 'Fan Home', que incluiu outras iniciativas como um concerto de Dino d'Santiago transmitido online e outros conteúdos que envolveram influenciadores digitais portugueses e figuras bem conhecidas do desporto nacional.

Além disso, e para colmatar a ausência de público nas bancadas, a Liga virou-se para a realidade aumentada para colocar os adeptos em jogo, através do conforto dos respetivos lares, recorrendo às videochamadas, que tão na moda ficaram neste novo mundo de COVID-19.

Foi daí que surgiu a 'Fan Wall Virtual', parte da ‘Fan Home’, com um objetivo claro: "Tentar aproximar os adeptos da Final Four dentro deste contexto, (...), para que fizessem parte do espetáculo e do jogo", começa por nos explicar João Cardoso, Coordenador da Área Digital da Liga Portugal.

Ao contrário de outras iniciativas semelhantes, a Liga optou por uma 'Fan Wall' virtual, uma ideia que já tinha sido observada, como mencionado anteriormente, no MotoGP. A opção justifica-se com a maior flexibilidade para inserir a 'Wall' na transmissão televisiva, além de permitir ter as reações dos adeptos com menos atraso.

"Tentámos perceber quais seriam as vantagens e eram várias. Uma delas tinha a ver com o 'delay', que é menor [em comparação com um sistema com ecrãs físicos] assim. A outra tem a ver com a envolvência no próprio estádio. Isso permitiu-nos encaixar aquele mural, principalmente nos dois primeiros jogos, naquela parede do estádio que está atrás da baliza, não sendo invasivo, ou seja, fazendo parte do espetáculo, mas sem retirar o foco ao que acontecia. O jogo acontecia na mesma e a parede estava lá", explica-nos.

Para poderem marcar presença nos jogos da Final Four da Taça da Liga, os adeptos interessados tinham de se inscrever nas plataformas da Liga, o primeiro passo de um processo que os levava a fazerem parte das partidas. O Zoom, do qual tanto ouvimos falar no início da pandemia, foi a plataforma usada pela Liga e pela wTVision para ligar os adeptos, que foram rodando ao longo da transmissão do jogo.

"Estavam todos separados, sem som, mas (...) foi giro ver algumas interações"

"As pessoas entravam algum tempo antes do jogo e ficavam numa espécie de sala de espera, rodando ao longo do jogo. Estava disponível durante os 90 minutos, sendo que da parte da realização - e aqui temos de fazer o agradecimento à SportTV porque teve esta abertura que nos permitiu fazer esta 'Fan Wall' -  eles iam 'picando' o sinal em determinados momentos, dependendo do que o jogo estava a dar", esclarece João Cardoso.

Apesar dos adeptos presentes não terem contacto verbal uns com os outros, isso não foi impedimento para que se trocassem impressões entre fãs, como nos contou o responsável Digital da Liga.

"Estavam todos separados, sem som, mas conseguiam ver-se uns aos outros. Foi giro ver algumas interações. Na final, estiveram, inclusive, a mostrar objetos de coleção do clube uns aos outros", relata.

A iniciativa revelou-se um sucesso, não só pelo número de inscritos  - "certamente" mais de um milhar ao longo dos três jogos - mas pelo feedback recebido pela Liga.

"Recebemos vários e-mails de pessoas que participaram e que agradeceram, porque tem a ver com a interatividade do próprio jogo, as pessoas poderem estar, poderem ver, fazerem parte da final apesar de estarem em casa, o que foi muito positivo", conta.

No fim de contas, o objetivo não só da 'Fan Wall', mas também da 'Fan House' foi alcançado, apesar das dificuldades impostas pela COVID-19.

"Tivemos o objetivo de criar ao longo daquela semana conteúdo suficiente que permitisse às pessoas que estão em casa envolverem-se de certa forma no ambiente da Final Four. Esse foi o grande objetivo, seja através de figuras que são reconhecidas a nível nacional naquilo ao que o digital diz respeito, seja através de plataformas que são reconhecidas por todos e que nos permitem ter outra visão daquilo que é a semana da Final Four: são três jogos de futebol, mas é toda uma semana de envolvência e esse foi o grande objetivo. (...) Foi uma semana diferente, com outros desafios, mas penso que correu bem. O balanço é positivo", conclui.

Inovação feita 'in house'

A ideia partiu da Liga, mas a wTVision foi a responsável pela implementação da mesma nas paredes do Estádio Dr. Magalhães Pessoa, um conceito inédito em Portugal.

"Nunca tinha sido feito em Portugal e nós tivemos esse desafio de perceber como é que se poderia fazer e metemos mãos à obra", começa por nos explicar Mariana Mateus, Business Developer da empresa que se dedica à criação de elementos digitais e soluções integradas para transmissões televisivas.

Com as mãos ao trabalho, o processo foi realizado 'in house', desde os grafismos à tecnologia de realidade aumentada utilizada.

"Fizemos os testes necessários, além de ter sido desenhado por nós, porque temos um departamento de desenho para 'broadcast', que cria de raiz os templates gráficos para televisão. E depois, internamente, foi tudo possível graças à nossa tecnologia de realidade aumentada, a AR³, que permite reconhecer pontos de vídeo num espaço", explica-nos.

Para mostrar os adeptos nos ecrãs, a tecnologia utilizada foi, nada mais nada menos, que o famoso Zoom, pelas caraterísticas que lhe conferiam a "robustez para conseguirmos ter a certeza que não iria existir nenhum problema".

"Os outros [programas] não nos garantem que os utilizadores que lá estão não possam ligar o som, fazer partilhas de ecrã… O zoom é a tecnologia de meeting que apresenta maior robustez e maior confiança para todos", acrescenta.

"Nós conseguimos (...) aplicar à nossa tecnologia que, para nós, é um avanço significativo e bastante importante"

Mariana Mateus realça a importância da abertura da Liga para com a wTVision, que facilitou o processo e ajudou à obtenção de excelentes resultados.

"A Liga ficou felicíssima, foram pioneiros em Portugal. A equipa envolvida, desde os criativos até aos nossos programadores, à gestão de projeto e no final, quem está no campo, que é o operador, foram todos incansáveis em colocar este projeto a acontecer. Apesar de já ter sido feito noutros mercados no estrangeiro, nós conseguimos perceber como se fazia e aplicar à nossa tecnologia que, para nós, é um avanço significativo e bastante importante", concluiu.

A bancada virtual chega à Liga NOS

E se está a ler isto e a pensar que já viu isto noutros jogos, tem razão: a tecnologia foi usada recentemente nos jogos da Primeira Liga, sendo visível nos jogos Sporting-Benfica e FC Porto-Rio Ave da passada segunda-feira.

Neste caso, a intenção partiu do principal patrocinador da prova, a operadora NOS, com a ‘Cadeira de Sonho’, uma iniciativa realizada em exclusivo com a SportTV, detentora dos direitos televisivos da prova.

Assim, foram escolhidos 240 adeptos, por ordem de inscrição no site da iniciativa, e que cumprissem três critérios: serem assinantes do canal, adeptos de Sporting, Benfica, FC Porto ou Rio Ave e terem acesso à plataforma ZOOM, explicou Felipe Gomes, porta-voz de Marca e Comunicação da NOS, em resposta escrita.

Cadeira de Sonho no FC Porto-Rio Ave
créditos: NOS

Além dos próprios marcarem presença, os adeptos escolhidos poderiam convidar membros do agregado familiar para se ‘sentarem’ ao seu lado na bancada.

De novo, o feedback recebido foi positivo, apesar dos adeptos não terem contacto entre si.

“Se os jogos sem público não têm a mesma emoção, trazer os adeptos para o direto televisivo e fazê-los voltar a participar ativamente neste momento aumenta a animação e desperta a curiosidade de todos os que estão em casa”, refere a operadora.

“Muitas saudades. Foi muito bom voltar. Ajuda a reviver bons momentos”

Mas afinal de contas, como é esta nova experiência de fazer parte do jogo a quilómetros de um estádio? Foi isso que procuramos saber junto de Joana Gomes, adepta do Sporting, que marcou presença na bancada virtual do dérbi lisboeta na passada segunda-feira.

Acostumada a ser presença assídua em Alvalade, a iniciativa serviu para matar saudades.

“Foi muito bom voltar, vou a todos os jogos e foi com muitas saudades que voltei, mesmo que tenha sido virtual. Ainda por cima com uma grande vitória do meu clube, mas com muitas saudades. Foi muito bom voltar. Ajuda a reviver bons momentos”, refere.

'Cadeira de Sonho' no Sporting-Benfica
créditos: NOS

Esta leoa realça ainda a importância de iniciativas como esta, para reforçar o espírito de união entre clubes e adeptos: “As equipas, sobretudo, precisam muito do apoio dos sócios”.

A cada dia que passa os adeptos estão mais próximos de regressar aos estádios, mas até lá as soluções digitais vão aproximando os adeptos dos jogos, até ao dia em que poderão voltar a um domingo de bola normal, com confraternização em redor dos estádios e cânticos nas bancadas.

*Artigo corrigido às 20h10