Quem começou a ver futebol nos anos 90 assistiu a tudo: desde Portugal fora do Mundial de 98, às baixas expectativas de 2000 que só esbarraram na mão de Abel Xavier, às altas expectativas de 2002, que entre as histórias rocambolescas e as superstições do selecionador, caíram com outsiders, passando pelas lágrimas de Cristiano Ronaldo em 2004, pelo penálti de Bruno Alves em 2012 que abriu a passadeira ao tiki-taka, até chegar ao heróico pontapé de Éder de 2016.

A principal diferença, entre quedas em todas as fases das provas, entre trazer o caneco para casa ou cair logo a abrir, é que em nenhuma competição Portugal parecia partir com tantas chances como neste Europeu. Se tem dúvidas, basta ver que na generalidade das casas de apostas. Portugal faz parte do lote de 5 favoritos. Ingleses e franceses partem na frente, sim.

A Alemanha talvez se faça valer mais do factor casa do que da paz interna ou do futebol jogado. Juntemos-lhe as sempre suspeitas Itália e Espanha, e parece crível que não estaremos longe de acertar no vencedor. Não estaremos por certo a ser fanfarrões se dissermos que a possibilidade de Portugal ser campeão europeu é um cenário bastante plausível. Não acredita? Deixo-lhe três bons motivos.

1) Os melhores jogadores do mundo, nos melhores clubes

Um recente estudo do Portugal Football Observatory correlacionava as probabilidades de sucesso entre seleções com a presença de jogadores nas 5 principais ligas europeias. É fácil perceber porquê: é um mecanismo circular. Os melhores vão para as melhores ligas, jogam contra melhores adversários, estão melhor preparados. Dos 26 convocados, 20 estão num desses campeonatos. Os restantes... bom, ou podiam lá estar, ou já lá estiveram com sucesso. Outros talvez lá acabem antes do fecho do mercado: Pepe, Inácio, António Silva, Rúben Neves, Francisco Conceição e Ronaldo.

2) Versatilidade táctica

Não se sabe em que sistema entrará Portugal na próxima terça, no jogo inaugural frente à Chéquia. A versatilidade com que Roberto Martinez abordou a fase de qualificação, começando num sistema de 3-4-3 e parecendo estabilizar num 4-3-3 a partir da metade, oferece poucas certezas sobre essa opção.

Quando o 4-3-3 parecia estabilizado, Roberto Martinez voltou a recorrer aos três centrais no jogo com a Irlanda. Ainda que o desdobramento ofensivo não seja muito diferente (a equipa parte para uma espécie de 325 em posse), esta mutabilidade, também em função dos jogadores que tem em campo, talvez permita mais soluções do ponto de vista estratégico à equipa das quinas.

Sente-se que existe um plano B, quem sabe um plano C, e isso até pode depender apenas de mexer em jogadores.

3) Uma melhor gestão de Ronaldo

Quando Fernando Santos saiu, mais do que o fracasso da eliminação no Mundial, tornou-se impossível não associar a saída ao caso Ronaldo. Das idas ao banco, muito contra a sua vontade, passando pela dificuldade na gestão de um jogador cuja importância, por vezes, tinha de ser relativizada, em função de outros jogadores mais emergentes (Bruno Fernandes e Bernardo Silva à cabeça), Martinez não herdou um dossier fácil.

Seria muito difícil ter sucesso na seleção sem ter Ronaldo do seu lado. Seria muito difícil ter sucesso na seleção sem criar condições para o sucesso de Ronaldo. E é claro que as circunstâncias têm ajudado: os adversários são de baixo nível e Ronaldo faz golos. Como chegou tarde ao estágio e tem 39 anos, foram criadas as condições para que pudesse descansar nos dois primeiros jogos. Quando entrou... bisou. Por outro lado, nenhuma outra opção parece uma solução evidente. Gonçalo Ramos fez uma época abaixo do esperado em Paris e não esteve bem no jogo frente à Finlândia. Ronaldo traz números muito acima da média do Al Nassr.

Não sabemos como vai ser se Ronaldo estiver em sub-rendimento e for preciso tirá-lo da equipa, não sabemos se Martinez terá a coragem e o pulso necessário para fazer de Ronaldo um jogador igual aos outros, como os anos o foram tornando. Contudo, há bons indícios de que assim possa ser.