Fredrik Aursnes assumiu, nesta semana, a liderança do ranking de jogadores com mais jogos cumpridos na época 23/24. Ainda que esteja atrás de David Hancko (Feyenoord) e de James Tavernier (Rangers) no que diz respeito a tempo de jogo, Aursnes supera ambos no número de jogos efetuados, num total de 50 partidas realizadas pelo norueguês esta época.

Contudo, pela ausência da Noruega do Euro 2024, ou por a Feyenoord e Rangers apenas restarem jogos de provas nacionais, são Phil Foden ou Gundogan quem se perfila para se aproximar dos números recorde de Bruno Fernandes na temporada anterior: com 47 jogos cada um, ainda têm 9 jogos em disputa para o campeonato, e estão dependentes do sucesso na Liga dos Campeões e no Euro 2024 para ver este número avolumar-se.

Os treinadores têm sido vocais em relação a este assunto, mas as calendarizações não parecem dar tréguas aos atletas. Na verdade, quanto maior o sucesso, mais se joga, menos se descansa.

A assunção deste problema encerra vários pequenos problemas em si mesmo. Ainda que os métodos de treino e recuperação tenham evoluído substancialmente nos últimos anos, este é o primeiro problema que surge na cabeça dos treinadores: como preparar jogadores para jogar tantos jogos? Como recuperar em tão pouco tempo? Como manter os jogadores focados e com nível de rendimento condizente com a intensidade da alta competição durante tantos meses?

Além do inevitável declínio na performance, devem ser levantadas outras questões do foro psíquico. Os ordenados são principescos, sim, mas até que ponto isso legitima que os jogadores sejam espremidos ao nível extremo a que vamos assistindo? Os jogos são a face visível de um cansaço que é decorrente dos treinos e dos estágios que, inevitavelmente, estão presentes neste patamar, ainda que os treinadores tentem encontrar formas de ir dando descanso aos seus jogadores, mesmo que isso leve a situações atípicas na gestão dos dias de trabalho. Veja-se como Roger Schmidt deu recentemente cinco dias de folga aos jogadores ou como, por exemplo, resolveu viajar para o Dragão no dia do próprio jogo.

O caro leitor estará a pensar na evidente correlação entre o desaire encarnado e esta incomum decisão de Schmidt de viajar no próprio dia para a cidade invicta. A bem da verdade, nunca saberemos se tudo seria diferente de outra maneira. Contudo, a sobrecarga não é assunto alheio à preocupação dos jogadores, e isso tem consequências evidentes na capacidade a longo termo dos atletas. Quer seja pela percepção de cansaço inerente à falta de tempo para a vida pessoal (numa espécie de esgotamento psíquico), quer seja pelo cansaço físico em si mesmo que, inevitavelmente, compromete a qualidade do jogo.

No limite, arriscamo-nos a ter equipas menos bem preparadas num futuro próximo — afinal, como treinar estes jogadores? De que forma podem as equipas técnicas apetrechá-los de capacidade física e mental para que o nível se mantenha alto? Talvez plantéis mais extensos pudessem amenizar este problema. Afinal de contas, apenas equipas de topo nos respetivos países têm jogadores neste nível de exaustão. Isto levantaria a possibilidade, como afirmou Guardiola, de que certas competições fossem priorizadas, sendo usadas segundas linhas em competições tidas como menos relevantes. Esta poderá ser, sem dúvida, uma poderosa arma para fazer descansar jogadores, algo que também já Roberto Martinez parece ter acautelado nesta última convocatória da selecção, chamando 32 jogadores.

Como se não bastasse, o futebol não parece desacelerar: as recomendações do International Board para o tempo de compensação fez aumentar significativamente o tempo de jogo desde o último Mundial, a Champions League sofrerá alterações que irão pressupor a existência de mais jogos (), e o Mundial tornar-se-á uma prova ainda mais extensa, devido às 48 seleções.

A mercantilização do jogo faz com que muita gente ganhe muito dinheiro de cada vez que estas equipas e jogadores de alto nível entram em campo. Contudo, por muito que os métodos de treino progridam, por muito que a evolução dos meios de preparação faça dos jogadores super-homens perante a sobrecarga, as consequências deste crescimento ininterrupto terão, a certo ponto, de ter um fim. Começaremos a ver mais lesões? Passarão a ser as carreiras dos jogadores mais curtas? Passaremos a ter jogos progressivamente piores?