“Não atires lixo para o chão”. Aqui está uma frase que quase todos nós ouvimos durante a infância, quer seja na escola, na televisão ou em avisos dos nossos pais. Contudo, não é por ouvirmos isso constantemente ao longo da vida que o lixo deixa de aparecer no chão, com um simples passeio por uma qualquer estrada ou rua portuguesa a comprovar isso mesmo.

Garrafas, embalagens, beatas, maços de tabaco, recibos e mais recentemente máscaras são alguns dos muitos exemplos de resíduos que acabam por invadir as vias.

Mas existem verdadeiros exércitos a combater nesta guerra contra o lixo: além dos cantoneiros das câmaras municipais, das máquinas de recolha, existem membros da sociedade civil, fora dessas instituições, a lutar contra os resíduos, tudo isto enquanto praticam desporto.

Juntar o bem-estar físico à luta contra a poluição é o que fazem os praticantes de plogging, uma modalidade relativamente recente que se tem espalhado pelo mundo.

Mas afinal de contas o que é o plogging? A palavra é originária da Suécia e é formada pela junção da palavra ‘plocka’ que significa apanhar e ‘jogga’ que significa correr. Ainda assim, nem só a correr se pode realizar plogging: também a caminhar, de bicicleta e até de canoa se pode participar nesta prática.

O termo foi cunhado pelo sueco Erik Ahlstrom em 2016 e a modalidade conta com cada vez mais participantes à volta do mundo, com uma simples pesquisa no Instagram a mostrar-nos mais de 150 mil publicações com as hashtags #plogging ou #plogga. Da Suécia ao México, passando por Nova Iorque, registam-se eventos e praticantes de plogging em todos os continentes.

“O recorde do mundo [de participação] é da Cidade do México, onde quatro mil pessoas fizeram plogging num só dia, mas penso que cerca de 10 mil pessoas o praticam regularmente na Índia”, disse Ahlstrom em declarações à Reuters, em abril de 2019.

"É tão fácil, e o plogging queima mais calorias que uma corrida normal - temos de nos baixar e agachar, é bom para as pernas e ficamos com um corpo melhor", acrescentou.

O Lixo que produzimos

Apesar de não ser incomum encontrarmos lixo num qualquer passeio por aí, Portugal tem vindo a registar uma diminuição na produção de resíduos. De acordo com dados do EUROSTAT, o gabinete de estatísticas da União Europeia, em média cada português produziu 1,54 toneladas de resíduos por ano em 2018 - os dados mais recentes disponíveis, um valor abaixo da média dos 27 países da União Europeia (5,19 t).

Em 2004 cada português gerava 2,79 toneladas, ou seja, o valor caiu para quase metade em 14 anos, uma tendência que não se verificou nos 27 da UE que têm mantido uma média praticamente inalterada (5,18 t em 2004).

Esta diminuição na quantidade de resíduos tem sido acompanhada por um aumento das toneladas de resíduos reciclados pelos portugueses: de acordo com dados da Sociedade Ponto Verde os portugueses passaram de 162425 toneladas de resíduos reciclados em 2004 para mais de 388 mil toneladas em 2019 (388634t), um aumento de mais de 50% em 15 anos, sendo que só no último ano a quantidade de lixo reciclado pelos portugueses aumentou em 10%.

Os números mostram que os portugueses têm vindo a aumentar a sua sensibilidade para a produção de resíduos e para a importância da reciclagem, mas mesmo assim o lixo continua a aparecer nas bermas. Um passeio por uma qualquer zona de mato não é poucas vezes ‘brindado’ com despejos de entulho e outros ‘monos’ pelo caminho.

Todos estes resíduos acabam por afetar os ecossistemas onde estão indevidamente depositados, podendo contaminar cursos de água subterrâneos, perturbar a vida animal na zona ou até mesmo encontrar o seu caminho para o mar, onde os plásticos acabam por se converter em microplásticos que depois são ingeridos por peixes que mais tarde podem acabar no nosso prato.

É na luta contra este flagelo, que os ploggers entram em ação. Para conhecer mais sobre a modalidade, nada melhor do que falar com alguns praticantes portugueses deste novo desporto.

Os Ploggers portugueses

A prática de plogging têm-se espalhado pelo mundo e também já conta com praticantes em Portugal. O SAPO Desporto falou com dois ‘ploggers’ portugueses para perceber como é que esta modalidade apareceu nas suas vidas.

“Eu já praticava plogging sem saber que o praticava”, começou por contar-nos João Pinto. Juntamente com a sua namorada, Cátia, é responsável pela página de facebook Plogging Portugal, uma página que serve como meio de divulgação de eventos e de troca de contactos entre ploggers. Este natural de Vila Real, começou a praticar a modalidade para proteger o seu animal de estimação nos passeios.

“Comecei a praticar por causa do meu cão, o Beni. Ia passear com ele para o meio do bosque e havia sempre vidros, pregos, latas… Tu tens uma proteção, mas ele não tem. Muitas vezes queixava-se e era um corte", começou por explicar. 

"Um dia disse ‘Os sítios onde passar vou começar a trazer um saco, luvas e vou recolher’ e comecei a fazer daquilo um hábito. Passado um ano e tal estava entretido no Facebook e surgiu-me esse vídeo e eu ‘Isto tem um nome?!”. Não fazia a mínima ideia. Sabia que não era pioneiro, mas foi assim que surgiu há quatro, cinco anos", recordou.

Também Ricardo Machado, um dos responsáveis pela página One Piece After Another, conheceu o plogging através das redes sociais.

“Andava no Instagram à procura de hashtags e dei com o plogging. Na altura eu e a minha mulher já fazíamos umas caminhadas e era frequente encontrarmos lixo, então começámos a apanhar e a fazer disso uma rotina”, explica-nos Ricardo que com a sua mulher, Carla Liberato, são responsáveis pela página.

Além de ajudar o ambiente, o plogging torna uma simples caminhada em algo mais desafiante e que exige mais do nosso corpo. Uma sessão de 30 minutos de plogging “consome 300 calorias, mais 17% que uma caminhada”, explicou-nos João Pinto.

Além de caminhar, o plogging pode levar a que o praticante aumente a distância que percorre para apanhar lixo que deteta fora do seu percurso, além de obrigar a agachamentos necessários para apanhar o lixo no chão. Como todas as atividades desportivas, esta modalidade ajuda a gastar calorias, que levam à perda de peso, além de ajudar ao fortalecimento da massa muscular. 

“Estamo-nos sempre a baixar e a levantar. Às vezes saímos fora do caminho para ir apanhar uma garrafa e acabamos por fazer uma maior distância e mais exercício”, explica-nos Ricardo.

«Eu sei que daqui a dois, três dias está tudo igual, mas não há-de haver ninguém mais teimoso que eu»

Pelos piores motivos, é possível fazer sempre o mesmo percurso numa sessão de plogging e andar sempre a limpar os mesmos locais, uma vez que o lixo continua a ser constante, mesmo depois da limpeza.

“Eu limpo num dia e no dia a seguir já lá está lixo novamente. As pessoas passam ao fim do dia e mandam as coisas pela janela…”, lamenta este natural da Marinha Grande.

Já João Pinto, de Vila Real, partilha do desabafo, mas deixa a garantia: “Eu sei que daqui a dois, três dias está tudo igual, mas não há-de haver ninguém mais teimoso que eu”.

A floresta é um dos sítios onde estes ploggers encontram mais lixo, ainda que por motivos diferentes. João explica-nos que, uma vez que se tratam de locais mais escondidos, “as pessoas tratam aquilo quase como se fosse um aterro”.

“Já encontrei um sofá, pilhas de pneus em locais onde passo com o Beni, onde passam crianças. Encontrava-se lá de tudo. Como as pessoas não têm tanta vergonha – porque não há tanta gente a ver – é onde se encontram mais”, explica.

Já Ricardo adianta que é também o pinhal, mais precisamente nas estradas do Pinhal do Rei, um dos locais onde encontram mais lixo, devido à utilização diária daquelas vias, quer seja por carros quer seja por outros atletas.

“Nas estradas da mata há sempre lixo porque há sempre carros a passar, as pessoas abrem a janela, mandam o lixo. Algumas até vão a fazer desporto e acabam por atirar a garrafa para o chão”, disse-nos, antes de revelar que, ainda assim, existe um local onde enche mais o saco que o acompanha.

“Na zona da praia há sempre mais, quando caminhamos ao longo do areal há sempre muito lixo que o mar traz e nas dunas igual”, afirmou.

«As máscaras são outra pandemia. São como as garrafas»

A pandemia veio afetar a vida e as rotinas de todos nós, incluindo nos resíduos produzidos. Contudo, em vez de uma grande redução, estes dois ploggers notaram uma alteração no lixo que continuam a encontrar nas ruas.

“As máscaras são outra pandemia. São como as garrafas. No chão, na estrada, nos passeios… Já está ao nível de uma garrafa de água ou perto disso”, lamenta Ricardo, naquela que é uma opinião também partilhada por João Pinto.

“Há menos lixo, porque as pessoas estão mais em casa, mas há outro tipo de lixo. Não há o plástico do fast food, mas há a máscara. Não há a lata de refrigerante, mas há a luva. Sim senhor, as pessoas têm de estar em casa, mas quando vêm cá para fora deixam tudo no chão na mesma. Não temos grande hipótese”, afirma, recordando ainda a quantidade de eventos que teve de desmarcar devido à COVID-19. 

"Com a pandemia tivemos de cancelar mesmo muita coisa. As pessoas às vezes não têm noção do que eu e a Cátia temos de fazer, temos de nos desmultiplicar em contatos", explica.

Ainda assim nem tudo foi mau e a pandemia ajudou à limpeza de praias por parte da One Piece After Another, uma vez que houve mais liberdade para fazer a limpeza do areal.

"Nós gostamos mais de limpar quando não há pessoas. Normalmente na época do verão nem limpamos na zona da praia, costumamos ir mais para o pinhal. Depois assim que acaba a época balnear, costumamos ir para a zona da praia, onde há sempre menos gente. Mas a pandemia ajudou um pouco, com menos gente temos mais liberdade para andar por lá", adianta Ricardo.

Além de dar a conhecer esta prática desportiva, estas duas páginas – que entre si já levam mais de duas toneladas de lixo recolhido - procuram sensibilizar as pessoas para as causas ambientais e para a quantidade de lixo que acaba nos passeios, praias e florestas.

“O que mais me motiva é receber mensagens de mães e pais que me dizem que os filhos, no verão quando iam à praia ou fazer piqueniques, lhes pediam para levarem sacos de plástico para quando acabassem de comer darem uma volta e recolherem não só o lixo deles mas os dos outros. E eu penso ‘ok, estamos num bom caminho’”, conta-nos João.

Também Ricardo e Carla tentam sensibilizar as pessoas não só para a recolha, mas principalmente para a prevenção no consumo de plástico.

“Tentamos consciencializar e sensibilizar as pessoas. Embora a solução nem seja nós apanharmos, mas sim reduzir mesmo o consumo de plástico descartável”, explica Ricardo, antes de recordar um dos eventos organizados pela “One Piece After Another”.

“Fizemos uma limpeza em setembro, teve 73 pessoas e espero que essas 73 pessoas tenham mais consciência de não comprarem plástico descartável, quando estiverem a fazer a seleção do lixo, esse tipo de consciência. Espero que as pessoas se consciencializem assim”, deseja Ricardo.

Mas se para uma caminhada ou uma corrida já todos conhecemos o que é necessário – ténis e roupa confortável – o plogging obriga a mais material, ainda que sejam objetos disponíveis em qualquer casa portuguesa.

“Umas luvas dão sempre jeito, porque existem sempre garrafas partidas e objetos que nos podem cortar”, avisa Ricardo.

Já João, além das luvas,  realça a importância da utilização de um calçado confortável numa sessão de plogging.

“Se virmos que vamos para o meio do mato, convém que seja uma bota-sapatilha mais maleável, porque – se feito corretamente – nós vamos fazer dezenas de agachamentos. Se fizermos dezenas de agachamentos, de uma forma incorreta, com um sapato que não seja apropriado, as articulações são as primeiras a ressentir-se”, realça, sem esquecer o obrigatório saco para a recolha.

Sem inscrições necessárias, nem falta de sítios onde praticar, o plogging está ao alcance de qualquer um que tenha vontade de praticar uma modalidade que, além de ajudar corpo e mente, ajuda o mundo ao seu redor.

*artigo corrigido às 11h38