João Matias (Tavfer-Ovos Matinados-Mortágua) e Frederico Figueiredo (Glassdrive-Q8-Anicolor) foram, a par de Mauricio Moreira, as grandes figuras da última Volta a Portugal, mas os dois ciclistas sentiram o ‘peso’ do mediatismo de formas diametralmente opostas.

Se ‘Fred’ “lida bem” com a exposição mediática, as 'selfies' e as entrevistas, o atual camisola amarela da prova, categoria que vai hoje estrear na quinta etapa, ‘sofreu’ na edição do ano passado, na qual ganhou duas etapas e esteve na discussão da camisola da regularidade até ao penúltimo dia, rivalizando em protagonismo com o campeão Mauricio Moreira e com o seu ‘vice’.

“É algo de que não estávamos à espera, não é? Principalmente, aqui em Portugal, há muita gente para quem parece que o ciclismo só existe em agosto, só existe na Volta a Portugal. É bom, claro que é, para nos dar destaque, mas existe ciclismo todo o ano, existe um pelotão profissional todo o ano. Para chegarmos à Volta a Portugal temos de trabalhar e estar preparados fisicamente, mas, depois, às vezes, é claro que há dias que toda a gente quer uma foto connosco, toda a gente quer ter um momento connosco e são coisas para as quais não estamos preparados”, admitiu, em declarações à Lusa.

Catapultado para a ribalta pela excelente prestação na 83.ª edição da prova ‘rainha’ do ciclismo nacional, o sprinter da Tavfer-Ovos Matinados-Mortágua, de 32 anos, revela que chegou a ter momentos em que, mesmo no final da massagem pós-etapa, “ainda tinha dores de cabeça”, após uma jornada que incluía a etapa, a cerimónia protocolar, múltiplas entrevistas, além das inúmeras solicitações de adeptos e outros, numa rotina que podia estender-se até quase duas horas depois do final das tiradas.

“Essas pessoas que se aproximam de nós, e não sabem o que está por trás, às vezes nem sabem quase quem somos e, por termos ganho nesse dia, parece que, de repente, somos umas superestrelas, mas somos pessoas que estamos em cima da bicicleta, que trabalhamos diariamente, somos pessoas normais e isso, às vezes, acaba por mexer um pouco com os nossos sentimentos. No ano passado, tive momentos em que tinha mesmo que desligar de tudo. Felizmente, tenho um staff e tenho uma equipa à minha volta que gostam de mim e que me aconselhavam da melhor maneira e, por vezes, diziam-me ‘pousa o telemóvel, esquece tudo, lembra-te do que estás aqui para fazer’”, detalhou.

Esse mediatismo, segundo Matias, não configurava propriamente “uma pressão mesmo”.

“Mas é um stress que nos acaba por nos cair em cima, que nós nem damos conta”, esclareceu.

Hoje, o camisola amarela e vencedor da terceira etapa desta Volta a Portugal olha para trás e considera que o ‘tratamento de choque’ que recebeu em 2022 foi “bom”, ajudando-o até a correr sem pressão nesta edição.

Mas há casos e casos, e o de Frederico Figueiredo é paradigmático: está perfeitamente à vontade em momentos de exposição pública, sendo evidente que o protagonismo que foi ganhando no pelotão, ao longo de quase uma década, e que teve o seu expoente máximo no ano passado, quando andou de amarelo durante cinco dias e acabou em segundo, em nada o incomoda.

“Eu acho que também tenho facilidade em falar, sou comunicativo. Vem um bocado por aí. Eu não lido muito mal com isso, para mim é tudo natural”, reconheceu.

O ciclista da Glassdrive-Q8-Anicolor, um dos principais candidatos a ganhar a 84.ª edição, que decorre até 20 de agosto, acredita que “toda essa notoriedade é importante para quem também investe nas equipas e para dar também visibilidade às marcas”.

“Acho que também devemos compreender o trabalho uns dos outros, desde que não seja excessivo. Temos de compreender o vosso trabalho [dos jornalistas], vocês têm de compreender o nosso. Às vezes, também chegamos meios desnorteados, mas se conseguirmos compreender o trabalho uns dos outros, não fica complicado”, defendeu.

Em declarações à Lusa, o trepador de São João de Ver, de 32 anos, garante não ver “qualquer tipo de problema” nas solicitações que ser uma das figuras de destaque do pelotão nacional implica.

“Até acho que é uma situação importante para todos nós e para a modalidade. No ciclismo, em particular, porque nós vivemos de publicidade e, por isso, a publicidade é boa neste tipo de situações”, contrapôs.

Notando que é na Volta que a modalidade tem mais visibilidade, nomeadamente pelas transmissões televisivas, ‘Fred’ diz pensar no ciclismo “como uma empresa”, na qual é preciso investir para se ter lucro.

“Se não investirmos, não temos retorno, não temos nada. E a Volta a Portugal para ter o retorno que tem, tem que investir, tem que ter uma RTP, vários meios de comunicação social, isso é importante. O ciclismo só assim evoluiu. Por isso é que temos este mar de gente a ver a corrida. A modalidade viveu um período difícil e continuamos a ter sempre muita gente na estrada a bater-nos palmas e a fazer com que o ciclismo continue na mó de cima”, argumentou.