O “especial” David Blanco mudou, está menos expansivo, porque assim ditou a vida, mas, finalmente, consegue escolher qual das cinco vitórias na Volta a Portugal em bicicleta: “esta é a mais querida”.
Em 2010, perguntaram-lhe qual era a sua amarela preferida e não soube responder – «quando tens quatro filhos, de qual gostas mais?». Hoje, o galego mais português do pelotão não teve dúvidas: “a de 2006, foi a que me permitiu seguir no 'show business', mas esta é a mais querida”.
Sério como em nenhuma outra Volta, o ciclista da Efapel-Glassdrive ainda não conseguiu digerir o recorde.
«Eu sou assim, especial. Só nos próximos dias saberei o que sinto.»
Na época em que mais desfrutou da bicicleta, sofreu várias contrariedades pessoais. Primeiro, teve de conviver com a distância da mulher – «há três meses que não a vejo, está na Guiné Equatorial» -, e com a partida de alguns amigos.
«Quando ficamos velhos, acontecem coisas. Tive pessoas que partiram na família, amigos...»
As dificuldades vividas tornaram-no ainda mais “cabeça dura". Há dois anos, David Blanco ganhou a sua quarta Volta a Portugal em bicicleta, igualou o recorde de Marco Chagas e decidiu partir. Sem nada mais para provar no pelotão nacional, experimentou o regresso ao ciclismo de alto nível na ambiciosa Geox, que viu a ambição esfumar-se numa única temporada, coroada mais com insucessos do que com sucessos.
«Arrependo-me do que não faço. Na vida há que tomar decisões e tomei essa, como podia ter tomado outra. No Tavira as coisas estavam complicadas», recordou em fevereiro numa entrevista à agência Lusa, definindo a época 2011 como boa em termos económicos e «um autêntico desastre» a nível desportivo:
«Como as coisas iam correndo mal eu forçava mais a situação. E, no final, em vez de parar a bola e começar a jogar outra vez, a bola estava sempre perdida pela relva.»
Apanhado pelo final abrupto da equipa italiana, com as portas a fecharem-se lá fora depois de uma temporada afetada por um vírus no estômago, o galego voltou-se para o seu porto seguro: Portugal.
Nascido na localidade suíça de Bienne, perto de Berna, onde os seus pais estiveram emigrados até aos seus cinco anos, o corredor de Santiago de Compostela só descobriu o ciclismo profissional em 2000, iniciando a carreira exatamente no nosso país, na equipa de Paredes.
Apesar da licenciatura e pós-graduação em Administração e Gestão de Empresas, o ciclismo era uma paixão que falava mais alto, mas o rendimento era curto e David Blanco tentou a carreira de corretor na Bolsa de Madrid. Quatro meses foi quanto resistiu ao stress da atividade.
Preferia a estrada como escritório e, por isso, insistiu nas bicicletas, quase sempre em Portugal, com exceção de três épocas na Comunitat Valenciana (2004, 2005 e 2006), na última das quais conseguiu a sua primeira vitória na Volta a Portugal.
É então que o seu nome aparece ligado à Operação Puerto - como ficou conhecido o desmantelamento de uma rede de doping com epicentro no médico Eufemiano Fuentes - mas, tal como quase todos os nomes implicados, Blanco saiu limpo do escândalo e não hesitou em voltar ao pelotão luso. Juntou-se à equipa de Tavira e, no primeiro ano, 2007, terminou em quinto lugar a Volta a Portugal ganha pelo compatriota Xavier Tondo.
«Pensei que tinha a amarela ganha e chegou a Torre e perdi um par de minutos para o Tondo», recordou enquanto lutava pela sua quinta amarela.
Outra vez sem rumo certo para a carreira, o ciclista que se define como «tranquilo, sossegado e calculista» virou-se para a formação algarvia. Mas a Carmim-Prio-Tavira, vinda de uma vitória na Volta a Portugal com Ricardo Mestre e com um orçamento mais reduzido, não encontrou lugar para o seu antigo campeão.
Com o desejo de correr a Volta a Portugal 2012 a sobrepor-se a qualquer outra coisa - «não podia deixar a bicicleta sem tentar, pelo menos tentar, ganhar a quinta Volta» -, o ciclista de 37 anos confessou que chegou a um ponto em que tinha de prevalecer a sua vontade de correr sobre o seu amor pelo Tavira.
«Com muita dor no coração, vai ter que ser com eles ou noutro sítio», disse na altura. Hoje, com o equipamento da Efapel-Glassdrive vestido, Blanco deixou de estar empatado com Marco Chagas (vencedor em 1982, 1983, 1985 e 1986) e subiu um degrau na história do ciclismo português.
E, apesar do semblante sério, hoje era um homem feliz.
«Não quero saber da Vuelta, do Tour, do Giro para nada», garantiu. Comprovado o amor pela Volta, esquivou-se à mais do que natural pergunta «vai tentar a sexta?».
«De um lado tenho a família, do outro o ego. Tenho de ver qual dos lados pesa mais», respondeu.
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