Tatiana Pinto, futebolista do Sporting e internacional portuguesa, tinha acabado de regressar aos treinos na Academia de Alcochete depois de representar Portugal na Algarve Cup, pronta para ajudar os 'leões' na luta pelo título na Liga feminina de futebol. Francisca Jorge, N.º1 do ranking feminino português de ténis, tinha disputado um torneio em Antália, na Turquia, e preparava-se para disputar mais dois, na Grécia. Maria Martins tinha garantido presença nos Jogos Olímpicos em fevereiro e ia arrancar a época de estrada nas 'clássicas' de Primavera, na Bélgica e Holanda, numa nova equipa.

Nenhuma delas - como nenhum de nós - imaginava por essa altura que iria estar, agora, confinada à sua casa, em isolamento social, longe de colegas e longe da competição, com praticamente todas as provas desportivas suspensas um pouco por todo o mundo em virtude da pandemia do novo coronavírus, COVID-19. "De início não tínhamos noção de que isto poderia vir a atingir este ponto", reconhece Tatiana Pinto.

Uma pandemia que deixou, literalmente, o desporto de quarentena, mas que não trava a vontade das três atletas em continuarem a treinar como podem, nas respetivas casas, para estarem prontas para um regresso que ninguém sabe quando - nem como - vai ocorrer.

Pacotes de leite utilizados como halteres, cortar a relva, brincar com os cães...tudo serve como ferramenta de treino improvisada. O contacto com os treinadores vai sendo feito via WhatsApp e outras redes sociais, os planos de treino vão sendo recebidos e preparados através de diferentes plataformas digitais e há até quem realize os treinos via skype em simultâneo com outros colegas. Prova da importância das novas tecnologia e das redes sociais numa altura como esta. Redes sociais onde as atletas vão, depois, mostrando como estão a lidar com toda a situação.

Como salienta Francisca Jorge, lembrando o papel social que cabe aos desportistas de elite, referências para jovens e não só, "é importante dar a conhecer às pessoas como estão a viver neste momento os atletas, que devem ser um exemplo para a sociedade".

"Tentar minimizar uma situação que terá sempre impacto nos atletas"

Naturalmente, as condições de treino estão longe de ser as ideais. E as consequências para a forma dos atletas serão diretamente proporcionais ao tempo em que demorar o período de isolamento e confinamento, como o explicou ao Sapo Desporto Lino Rebolo, preparador físico que trabalha com a Federação Portuguesa de Rugby e com a equipa do Agronomia Rugby.

"Esta situação dependerá muito do tempo de paragem. Mas vai haver sempre perdas. Minimiza-se o que for possível, através de algum treino e suplementação, mas terá sempre impacto nos atletas", sublinha.

Essa incerteza quanto ao regresso é uma das principais condicionantes com que os preparadores físicos vão tendo de lidar nos planos de treino que vão delineando para os respetivos atletas. "Aquilo que recomendei foi que tentem ao máximo ter uma zona para correr, ao ar livre, ainda que sem contacto. Mas aos poucos a forma vai-se perdendo. A partir das três, quatro semanas, já se irão registar perdas significativas a nível físico", reforça Lino Rebolo, que diz que, face à incógnita de um eventual regresso e de como serão retomadas as as competições, tem dois planos  delineados.

"Neste momento estou a preparar dois tipos de planeamento: um para retomar a competição, com duas semanas de preparação antes de voltar a competir, e outro para a eventualidade de a época ter terminado e começar a preparar a próxima", explica Lino Rebolo.

Outro problema passa por manter a motivação. Maria Martins reconhece-o.

"Nesta fase, por vezes, é complicado manter o nosso foco, quando está tudo meio desfocado."

A ciclista, que em julho e agosto iria participar nos Jogos Olímpicos, entretanto adiados, explica: "Não é fácil para mim manter a motivação quando não tenho uma competição em vista. Funciono muito por objetivos. Trabalho para uma coisa em que estou focada e esse foco é que me faz mover".

Já Tatiana Pinto não tem sentido grandes problemas a esse nível. "Sou uma pessoa que gosta mesmo muito de treinar e, por isso, não preciso de arranjar motivação. É algo que o meu corpo precisa. Há que pensar que, apesar de não sabermos quando esta situação vai terminar, temos de fazer aquilo que depende de nós, que é treinar bem, alimentar bem, hidratar bem, para estar bem fisicamente quando isto terminar", refere a futebolista do Sporting.

 A importância do apoio e  acompanhamento psicológico

Para manter essa motivação será importante que o atleta tenha também algum acompanhamento psicológico nesta fase, como sublinha Lino Rebolo. "A parte psicológica será, talvez, uma das mais complicadas de trabalhar e gerir nesta situação. Seria ótimo para todos os atletas contarem com apoio psicológico nesta altura", afirma.

O Sapo Desporto falou com Jorge Silvério, psicólogo de desporto, que trabalha com mais de uma centena de atletas e que refere que neste momento tem tido ainda mais trabalho, sendo ainda mais solicitado pelos atletas que segue. “Eles sabem que têm via aberta para o que precisarem. Na semana passada uma das atletas com quem trabalho estava a ter sintomas, preocupada, muito ansiosa e isso vai acontecendo. Isso acontece e é importante que tenham alguém a quem recorrer", refere.

Jorge Silvério realça, porém, que os atletas de alta competição têm vantagem em relação ao 'cidadão comum',pelo facto de o exercício físico - um importante 'escape' neste momento - fazer já parte do seu dia a dia.

"Os atletas têm duas vantagens para lidar com esta situação. Uma é precisamente o plano físico, que não tem só implicações físicas, mas também psicológicas. O exercício é uma boa ‘vacina’ digamos assim, para lidar com estas situações, pois tem vantagens a nível psicológico. Reduz os sintomas de ansiedade, os excessos depressivos e ajuda-nos a lidar com o stress. E como, enquanto atletas, já têm de fazer exercício, isso é um ponto a favor deles. Outro ponto a favor é que este é um obstáculo, uma situação difícil, e superar obstáculos é aquilo que eles estão habituados a fazer no seu dia a dia", explica.

Francisca Jorge revela que do plano de treinos que a Federação Portuguesa de Ténis lhe delineou para esta etapa fazem parte duas sessões semanais com uma psicóloga.

"Contamos com uma psicóloga que nos tem ajudado nesta fase, para nos orientar um pouco melhor e para nos ajudar a gerir os pensamentos. Estamos a ter, via Skype, sessões duas vezes por semana para sabermos lidar com tudo isto e não entrarmos no stress de não podermos treinar e pensar que o trabalho que foi feito para trás foi quase deitado ao lixo", salienta.

Jorge Silvério refere três aspetos fundamentais e extremamente importantes para os desportistas neste momento: manterem o contacto social, ainda que por outras vias, fazerem exercício fisco e prosseguirem as rotinas. Depois, acrescenta, é importante "contar com um psicológico especializado que os possa acompanhar nesta fase, para que os atletas consigam manter os seus níveis psicológicos a 'top' em termos de confiança, motivação, controlo emocional".

Tatiana Pinto salienta que o treino "ajuda a passar o tempo"

Tatiana Pinto também conta com esse apoio psicológico, tendo o Sporting colocado à disposição dos seus atletas um psicólogo, "para o caso de estarmos a ter alguma dificuldade em lidar com a situação, para falarmos um bocadinho e para nos dar algumas ferramentas para encararmos todo o processo", explica a centrocampista.

A futebolista conta que antes de ir para a Algarve Cup sabia que em Itália a situação já era complicada, mas não tinha a noção do que aí poderia vir. "Não se previa, na altura, que a situação ia piorar. Depois tivemos de fazer jogos à porta fechada e aí é que comecei a preocupar-me um pouco mais. E, com todas as notícias que iam saindo, seria impossível não começar a ficar preocupada", recorda.

Na Algarve Cup o primeiro jogo de Portugal ainda foi realizado com público, mas a partir daí as restantes partidas foram disputadas à porta fechada.

"Na Algarve Cup acabou por correr tudo tranquilo, calmo. Tínhamos todos os cuidados de higiene, desinfetante sempre à disposição, imensos cuidados e era mais fácil controlar. O primeiro jogo ainda teve público, mas também não muito. Jogar à porta fechada é diferente, não tem nada a ver. O jogo perde um bocadinho do seu encanto, porque um jogo sem adeptos não é nada, mas sabíamos perfeitamente que tal servia para precaver a saúde de todas as pessoas e a nossa", relembra. "É uma questão de saúde pública e isso tem de estar acima de tudo o resto".

Juntamente com outras caras conhecidas do futebol nacional, Tatiana Pinto participou num vídeo institucional da FPF onde se explicava os cuidados a ter perante a propagação da pandemia COVID-19.

Tatiana Pinto relatou também ao Sapo Deporto o momento em que soube que teria de ficar em isolamento, na sua casa. "Voltei ao Sporting, depois de um dia de folga, e ainda treinei com as colegas na quinta-feira, dia 12. Foi tudo muito rápido. Treinámos e, quando acabámos o treino, soubemos que realmente as competições tinham sido suspensas e que o Sporting tinha achado por bem fechar as instalações na Academia e enviar todos para casa", recorda.

Agora, Tatiana tenta manter a forma física em casa, treinando todos os dias com os materiais que tem, alguns deles improvisados. “Há sempre uma forma. Vou treinando e essa é a minha principal prioridade, porque não sabemos quando é que isto termina, quando é que a competição pode retomar e temos de estar preparadas”, salienta.

"Não tenho halteres em casa? Agarro em pacotes de leite, ou encho uma mochila com livros, esse tipo de coisas. Há que improvisar e ser criativo. Não pode haver desculpas".

O acompanhamento por parte do clube, neste caso o Sporting, é também destacado por Tatiana Pinto. "O nosso preparador físico tem-nos enviado bastantes planos de treino e eu tenho também um 'personal coach' que me envia planos mais individualizados. Vou cumprindo os planos dos dois. E temos também uma nutricionista que nos acompanha. Eles tentam-nos acompanhar o mais perto possível e isso é importante", sublinha.

Ainda assim, Tatiana reconhece que é estranho estar a treinar sozinha. "É diferente não ter as colegas ao lado, apesar de irmos estando em contacto e falando no nosso grupo. Mas, realmente, é uma situação diferente, que nunca pensei viver", refere.

Quando não está a treinar, a jogadora leonina explica como passa o tempo. "Vejo televisão, algumas notícias, mas não muitas, pois tento abstrair-me um pouco. Vejo filmes, séries, comprei uns livros e faço com calma algumas tarefas domésticas que não tinha tempo para fazer antes. Organizo os meus armários de roupa, até para ver alguma coisa que possa doar. Estou a tentar encarar a situação da melhor forma. Tento aproveitar o dia ao máximo. É preciso inventar coisas", afirma.

As novas tecnologias e as redes sociais ajudam. "Não nos devemos amarrar à tecnologia, porque há mil e uma coisas…meditar, ou fazer yoga...mas claro que ajudam", reconhece Tatiana.

Quanto ao regresso, Tatiana Pinto admite que é uma incógnita para todos. "Sinceramente não sei como vai ser, até porque haverá muitas decisões que terão de ser tomadas e que dependerão do tempo que isto ainda perdurar. A nós, em casa, cabe-nos manter a nossa forma física. Claro que não é a mesma coisa, mas se fizermos essa nossa parte poderá ser muito mais fácil quando regressarmos. Isso é o principal. É complicado, há coisas que não sei como vão ser, mas há que manter o tempo ocupado e ir lidando com tudo isto à medida que acontece, à espera de voltar o mais depressa possível à nossa vida normal", conclui.

Francisca Jorge destaca a importância das novas tecnologias e de se manter ativa

Francisca Jorge, atual nº1 do ténis feminino português e tricampeã nacional absoluta, recorda que, em Fevereiro, quando esteve com a seleção nacional a disputar a Fed Cup na Finlândia, não achava que fosse possível haver uma propagação tão grande do vírus, nem temia que viesse a criar um impacto tão grande como está a criar.

"Penso que só mesmo no início da semana passada [semana de 8 a 14 de março] começámos a ponderar como equipa, no centro de alto rendimento, fazer alguns ajustes. E, em conjunto com os treinadores e a federação, achou-se que era melhor vir para casa, ainda antes de o governo o decretar. Adiantámos um bocado esse processo", explica.

Francisca regressou então com a irmã Matilde, também ela tenista, a Guimarães, para junto dos pais, onde tenta manter a forma. "Continuamos a treinar, a manter-nos ativas. Felizmente, com as novas tecnologias é possível a alguma distância treinarmos e estarmos a ser orientados pelos nossos treinadores. Estamos agora a treinar através do Skype, que é uma excelente plataforma e tem-nos ajudado bastante.  E é uma forma de estarmos controladas e não nos 'baldarmos' muito ao treino", realça.

"Acho que o único stress é não poder treinar ténis propriamente dito, mas de resto estamos ativas e mentalizadas de que no pouco treino que vamos tendo temos de dar o máximo", explica a tenista, que disputou o seu último torneio antes da paragem no final de Fevereiro, em Antália, na Turquia.

O regresso a casa teve o seu lado bom. "Já não estávamos habituadas a estar tanto tempo em casa, porque treino em Lisboa e quando vinha aqui era mais para ver a família e descansar. Por isso também está a ser bom aproveitar aquele miminho que se calhar não sentia durante o dia a dia".

Treinar em casa, contudo, é diferente, embora Francisca tente manter as rotinas. "Temos treinado via Skype. Temos horas de treino, como tínhamos antes, temos feito treino físico todos os dias e treino de prevenção com o fisioterapeuta. Depois, dois dias por semana, fazemos as sessões de ‘mental skills’, com a psicóloga. Continuamos a treinar como se estivéssemos todos juntos, a ver os outros colegas a fazer o mesmo treino, o que mesmo estando isolados quebra um pouco essa ideia de isolamento".

E, claro, Francisca encontra também outras maneiras de manter a forma física. "Fora isso tento fazer umas corridas e preencher o resto do tempo não só com séries e dormir. Vamos vendo as notícias, para estarmos informadas, mas mantendo-nos sempre ativas, seja de que forma for. Passear e brincar com os nossos cães, cortar a relva...tudo serve um pouco de treino. Às vezes acabo por ficar dorida de músculos que nem sabia que tinha", confessa.

"É importante também levar tudo isto como mais uma aprendizagem."

Francisca reconhece, porém, que há medida que o tempo for passando as coisas tornar-se-ão mais difíceis. "Vai ser duro, mas temos de saber lidar com isto. Da minha parte estou mentalizada de que vai ser complicado, de que a dada altura podemos quebrar, mas há que manter a motivação e, enquanto atletas de alta competição, temos de estar preparados. Falo por mim e quero muito isto, por isso tento realmente todos os dias treinar um bocadinho. Há dias que vai apetecer menos, há dias que vai apetecer mais, mas penso que ao longo das semanas é importante manter o foco", salienta.

Assim, o regresso, quando acontecer, será mais fácil. "Estamos a fazer o nosso trabalho, a parte física, a parte mental…tudo o que podemos fazer estamos a tentar fazer. A parte do ténis jogado é que vai ter de esperar, mas temos de saber ser pacientes. Quando voltarmos não vamos estar ao nível que estávamos quando parámos, mas também não vamos estar a zeros. Vamos estar dois degrauzinhos abaixo e o ritmo vai-se recuperar com as semanas de treino."

Maria Martins viu estreia pela nova equipa e sonho olímpico adiados

Maria 'Tata' Martins também recordou ao Sapo Desporto o momento em que teve de parar com o seu plano de treinos habitual. “A ultima corrida que fiz foi em pista. O campeonato do mundo, nos finais de fevereiro, início de março. A situação ainda não estava tão crítica como está agora. Ia começar a temporada de estrada, mas a partir daí percebemos que isto estava tudo a piorar, dia após dia”, relembra.

“Agora continuo a tentar treinar, sem companhia, com precauções. Evito o mais possível andar exposta, e com tudo isto vou agora abrandar o ritmo. É uma situação estranha de gerir, sem saber quando as corridas vão ser retomadas e, no ciclismo, temos de saber gerir os nossos momentos de forma”, ressalva.

"Trabalho com o meu treinador pessoal. Temos tudo planificado e trabalhamos para estar prontos para regressar. Nesta fase de incógnita temos mantido algum trabalho, mas nada de exigente, porque com o cansaço acabamos por ficar mais frágeis e mais vulneráveis, por isso convém não carregar muito nesta fase”, explica.

Numa modalidade em que a definição do calendário e a escolha das corridas é fundamental, de forma a determinar a altura dos chamados 'picos de forma', Maria viu a sua época profundamente afetada, depois de no final do último ano ter deixado a equipa espanhola Sopela, na qual tinha corrido nos últimos dois anos, para reforçar a britânica Drops Cycling Team.

"Esta situação veio adiar bastante a minha primeira participação com a equipa e sinceramente não sei como poderá ser. Já afetou muitas corridas, todas as clássicas de primavera que tinha previsto, na Bélgica e na Holanda, que eram um dos meus objetivos para esta temporada. Depois dos bons resultados na pista estava muito motivada para fazer também aí um bom resultado e para começar bem a época de estrada com a nova equipa", lamenta.

Também o sonho da participação em Tóquio2020 foi adiado para ‘Tata’. “Tento não pensar muito nisso, só resta esperar. Tenho pena, mas o adiamento foi uma atitude de bom senso pelo que o mundo está a viver. O importante é a nossa saúde e assegurar que os nossos estão bem", sublinha.

"No meio disto tudo, a competição é um pormenor. Sinto que preciso, sim, do apoio da família nesta fase e é o mais importante, sentirmos que a nossa família está bem".

E é nos 'seus' que Maria, como certamente todos nós neste momento, vai encontrando refúgio.

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