O tema da violência no desporto (mais concretamente no futebol) em Portugal voltou à ordem do dia na última semana, com a agressão a um repórter de imagem da TVI após o Moreirense-FC Porto da 29.ª jornada da I Liga. Um episódio que se vem juntar a vários outros que, quando ocorrem, acabam por trazer sempre à baila a discussão sobre o que é possível fazer-se para combater esse flagelo e quais as suas raízes.

São, pois, inúmeros os estudos que surgem sobre essa temática, muitos deles de cariz sociológio e psicológico. Entre as causas apontadas para o fenómeno, são muitos vários os fatores apontados: socialização, condições político-económicas, factores psicológicos e até fatores genéticos.

Há também vários estudos do ponto de vista do Direito, que olham para o que pode ser feito a nível jurídico e legislativo de forma a combater o problema.

Um deles, em 2018, foi da responsabilidade de Nuno Amorim, Chefe da Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar da Assembleia da República, que preparou, analisou e compilou para o Parlamento português um documento sobre Violência no Desporto que visava o enquadramento nacional legislativo da temática da violência no desporto, com especial incidência no futebol, na perspetiva dos espetadores e de todo o espetáculo que lhe está associado.

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O estudo olha para o enquadramento legal e procedimental dos espetáculos desportivos no Reino Unido, país de grande tradição desportiva e futebolística e com conhecidos casos passados de hooliganismo que culminaram na exclusão de participação das equipas inglesas das competições europeias de clubes por parte da UEFA.

No estudo, Nuno Amorim lembra que o órgão máximo do futebol europeu dispõe de diversos regulamentos, a aplicar nas competições por si organizadas, no qual estão previstas, por exemplo, as penalizações que podem ser aplicadas aos clubes, em caso de violência no seio dos adeptos, aquando da realização de eventos desportivos.

Estado deve "ser efetivo através da adoção de medidas apropriadas e proporcionais"

No nosso país, a Constituição refere no n.º 2 do artigo 79.º que "incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto". Nuno Amorim lembra, neste seu estudo, que sendo a prevenção da violência no desporto uma incumbência constitucional do Estado, esta "deve ser efetivada através da adoção de medidas apropriadas e proporcionais à prevenção de formas antidesportivas".

A Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, alterada pela Lei 113/2019 de 11 de setembro, veio estabelecer o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança, atribuindo uma série de deveres, aos promotores, organizadores e proprietários do recinto desportivo. Criada em novembro de 2018, com sede em Viseu, a APCVD (Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto) sucedeu ao IPDJ em matéria de atribuições e competências relativas ao regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a sua realização em segurança e de acordo com os princípios éticos inerentes à sua prática.

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Da legislação existente, lembra neste seu estudo Nuno Amorim, constam diversas obrigatoriedades e sanções, como a obrigatoriedade de os apoios prestados serem objeto de protocolo a celebrar, em cada época desportiva, entre o promotor e os grupos organizados de adeptos ou a criminalização de determinadas condutas, devendo o organizador da competição desportiva aprovar regulamentos internos para prevenção e punição de violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espetáculos desportivos.

"Por exemplo, no cumprimento desta obrigação legal, a Federação Portuguesa de Futebol, como entidade organizadora, aprovou o seu regulamento de prevenção da violência, do qual constam diversas disposições adicionais de segurança, como a qualificação dos jogos ou o procedimento para a aplicação das sanções previstas no regulamento", pode ler-se no referido estudo.

Nuno Amorim olha então para a eficácia e amplitude da legislação e dos diplomas aprovados sobre questão da violência no desporto. Algo que, nas suas palavras, engloba "todas as manifestações violentas exógenas ao espetáculo desportivo de per si, sendo simultaneamente um fenómeno atual e com a maturidade necessária a uma teia de considerações, transversal ao universo desportivo".

O exemplo vindo do Reino Unido

Quando se fala em violência no desporto, à cabeça de todos vem o futebol inglês e o fenómeno do hooliganismo. Algo que, contudo, lembra este estudo apresentado em 2018 na Assembleia da República, os governos do Reino Unido foram combatendo e atenunado ao longo dos tempos.

Na temporada de 1985/86, após anos de Hooliganismo, do caso do incêndio no estádio do Bradford City e do desastre belga no estádio de Heysel, que resultou numa exclusão das equipas inglesas das competições europeias por um período de 5 anos, as autoridades britânicas viram-se forçadas a atuar e a tomar medidas para prevenir que situações de violência no desporto ocorressem.

"O Governo britânico planeou então introduzir um mecanismo de identificação, através da utilização de cartões de identidade, que confirmava a identidade dos adeptos que entrevam nos estádios, processo em desenvolvimento quando ocorreu novo infortúnio, desta feita no estádio de Hillsborough, cujo relatório do incidente denunciou possíveis problemas com a identificação nas zonas dos torniquetes do estádio", recorda o estudo apresentado por Nuno Amorim.

A resposta passou pela criminalização de diversas condutas, com vista à promoção da segurança e da repressão da violência nos recintos desportivos. Em 1991 foi elaborado o 'Football (Offences) Act', que ditou que condutas como o arremesso de objetos quer para a área de jogo quer na direção de espetadores, a entrada não autorizada no recinto desportivo ou cânticos considerados indecentes ou racistas passassem a ser crime.

Qualquer pessoa condenada por um crime relacionado com o futebol passou a poder também receber uma pena acessória de proibição de frequentar recintos desportivos durante os jogos, cujo incumprimento resulta em crime de desobediência. Ainda no Reino Unido, a polícia possui uma unidade especial de policiamento dos jogos de futebol, denominada de United Kingdom Football Policing Unit (UKFPU).

O estudo compilado por Nuno Amorim revela também que, além disto, existe no futebol inglês um sistema de categorização de jogos, podendo estes assumir 4 categorias: categoria A, correspondente aos jogos de risco reduzido, categoria B, correspondente aos jogos de risco moderado, categoria C para jogos de risco elevado e categoria C IR, correspondentes aos jogos de alto risco. Nos jogos de alto risco, o horário do jogo pode ser alterado para o inicio do dia para evitar eventuais abusos de álcool, podendo também obrigar os adeptos do cube visitante a viajar em conjunto, com o devido acompanhamento policial, para minimizar eventuais confrontos e distúrbios.

Algumas destas medidas foram, depois, adotadas por outros países, incluindo Portugal.

A questão é debatida, amiúde, pelos responsáveis federativos e governativos no Reino Unido, lembra Nuno Amorim no final desta sua análise. A Federação Inglesa de Futebol (FA) produziu, em junho de 2012, um documento com um pequeno sumário das medidas tomadas para prevenção da violência no futebol e outro sobre a gestão da segurança nos estádios de futebol. E, em junho de 2016, teve lugar na House of Commons um debate parlamentar sobre o hooliganismo no futebol. Medidas que vieram limitar a ocorrência de fenómenos de violência no futebol inglês, que durante tanto tempo foram uma realidade quase constante.

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