Ficou conhecida como 'a tragédia do Sarriá'. Pelo menos para os brasileiros, que com uma equipa de sonho, apontada como grande favorita à conquista do Mundial 1982, se viram batidos por uma Itália em que poucos acreditavam.

Foi numa das derrotas mais dolorosas de sempre da 'canarinha', "o dia em que o futebol morreu", disse o então internacional brasileiro Zico, uma das estrelas da equipa. E as (três) estocadas fatais foram dadas por Paolo Rossi, que assim restaurou o seu estatuto como estrela do futebol mundial depois de ver a sua carreira bater no fundo.

Tudo aconteceu a a 5 de julho de 1982, em Sarriá, Barcelona. Jogava-se a então existente segunda fase de grupos do Mundial de Espanha. Frente a frente um autêntico duelo de estilos: de um lado a irreverência a magia e o futebol de ataque dos brasileiros. Do outro o 'cattenacio', o futebol de contenção e os contra-ataques cheios de veneno dos italianos. O resultado iria surpreender tudo e todos e marcaria a vitória do futebol pragmático sobre o futebol artístico.

De um lado um Brasil de sonho...

O Brasil tinha todos os motivos para estar optimista para aquele Mundial, apresentando uma seleção que muitos consideravam capaz de rivalizar pelo título de 'melhor equipa de sempre' com a que havia conquistado o 'tri' ao vencer o Mundial de 1970. Orientado por Telê Santana, o Brasil contava, efetivamente, com um elenco de luxo, onde pontificavam nomes como Júnior, Zico, Sócrates, Cerezo ou Falcão.

A fé no 'tetra' (que só chegaria em 1994, nos EUA) era grande e fazia sentido. Uma fé que cresceu ainda mais com os resultados (e as exibições) do Brasil na primeira fase de grupos: vitória por 2-1 sobe a URSS (com direito a cambalhota no marcador) e triunfos claros sobre Escócia (4-1) e Nova Zelândia (4-0).

O Brasil praticava um futebol com um perfume como há muito não se via e tudo corria sobre rodas. Na primeira partida da segunda fase de grupos um duro teste: a arquirival Argentina, com Maradona a jogar o seu primeiro Mundial. Os brasileiros não vacilaram e venceram por 3-1. Um resultado que deixava o Brasil a precisar de apenas um empate diante da Itália para passar às meias-finais...

...do outro lado uma Itália a viver um pesadelo

A Itália, em contraste com o Brasil, chegara ao Mundial'82 em cacos. O apuramento para a fase final do Mundial foi conseguido com alguma dificuldade e o selecionador, Enzo Bearzot, foi alvo de muita críticas pelas escolhas que fez dos jogadores que levou a Espanha. Optou, por exemplo, por deixar de fora o melhor marcador da Serie A nessa temporada, Roberto Pruzzo, para chamar Paolo Rossi, que vinha de uma suspensão de dois anos fruto do seu envolvimento no escândalo de apostas apelidado de 'Totonero' que abalou o futebol italiano em 1980.

E se as coisas não estavam bem, a prestação na primeira fase de grupos não ajudou a que mesmo os menos céticos acreditassem no título. Com um futebol considerados por todos como 'pobre', os italianos somaram três empates. Começaram com um nulo diante da Polónia, num jogo muito aborrecido. Depois, até esteve a ganhar quer ao Peru, quer aos Camarões, mas em ambos os jogos permitiu a reação do adversário, empatando ambas as partidas por 1-1. As críticas a jogadores e terinador subiam aina mais de tom e o apuramento para a segunda fase´só ocorreu graças poque a Itália tinha mais um golo marcado do que Camarões.

No arranque da segunda fase, contudo, os italianos deram, enfim, um ar da sua graça e venceram com alguma surpresa a Argentina por 2-1. Precisavam, contudo, de vencer o Brasil para irem ainda mais além na prova. E poucos acreditavam que tal fosse possível...

Um herói que puniu a ingenuidade brasileira e 'matou' o futebol bonito

O Brasil nem precisava, portanto, de ganhar. Mas não sabia jogar de outra forma. Assumiu o comando do jogo desde o apito inicial e partiu para o ataque, com o seu futebol de troca de bola ao primeiro toque. A Itália, recuada, ia acompanhando com o olhar, à espera de um erro do adversário.

E o primeiro erro dos brasileiros surgiu aos seis minutos: Conti, uma das figuras dos italianos (que também as tinham) abre para Cabrini e este cruza para o segundo poste, onde Rossi marca de cabeça. Era o primeiro golo do tão contestado avançado no Mundial (iria acabar com 6!).

O Brasil não se deixou abalar, continuou no seu estilo e foi recompensado pouco depois. Aos 13 minutos, Sócrates tocou Zico, que com um genial toque de calcanhar tirou Gentile (outra das figuras da Itália) do lance devolvendo a Sóctrates, e este rematou colocado, sem hipóteses para Zoff (mais uma das figuras da Itália). O Brasil empatava com um belísismo golo, à sua imagem.

A turma 'canarinha' não tirou o pé do acelerador e ameaçou o segundo golo, mas quem se colocou novamente em vantagem foi a Itália. Também com um golo à sua imagem: Toninho Cerezo errou um passe e Rossi, matador, aproveitou para fazer o 2-1 para a 'Squadra Azzurra'.

O Brasil voltou a partir para a frente, somando oportunidades para o 2-2, que teima em não surgir e o intervalo chega com os italianos em vantagem. A bola continuou a teimar em não entrar no arranque do segundo tempo. Os brasileiros iam com cada vez mais gente pela frente e, claro, a Itália, em contra-ataque, aproveitava para mostrar que também podia voltar a marcar.

Só que foi mesmo o Brasil a chegar novamente ao empate, aos 68 minutos. Junior arrancou pela esquerda e passa para Falcão. Cerezo desmarca-se e leva consigo vários defesas adversários, abrindo o espaço de que Falcão necessitava para tentar a sua sorte. Rematou de pé esquerdo, certeiro, e o Brasil voltava a estar em posição de apuramento.

Podia, pois, recuar e gerir o empate. Mas esse não era o seu estilo e continuou a atacar, ameaçando por várias vezes a cambalhota no marcador. Que não surgiu. Surgiu, isso sim, o terceiro golo da Itália (e de Rossi). Aos 75 minutos, na sequência de um pontapé de canto, a defesa brasileira não afasta conveniente, Tardelli devolve para a área canarinha Rossi, oportuno, desvia para o 3-2.

Desta vez, apesar de muito tentar, o Brasil ainda conseguiu empatar. Nos instantes finais, Zoff faz uma defesa soberba para travar um cabeceamento de Óscar, negando o empate e o apuramento ao Brasil. O pragmatismo, a solidez e o cinismo italiano levavam mesmo a melhor sobre o 'futebol bonito' e o mundo ficava em choque.

A Itália acabaria, depois, por se sagrar campeã do mundo (foi o seu terceiro título), derrotando a Polónia nas meias-finais e a República Federal da Alemanha na final, com Rossi a continuar em grande. Mas, aí, já todos estavam a contar com ela.