O antigo futebolista britânico Gary Lineker concorda com a imprensa britânica e diz que a saída de Cristiano Ronaldo do Manchester United é inevitável após as críticas ao clube, na entrevista transmitida na quarta-feira na televisão TalkTV.

"Não posso ver Cristiano em Old Trafford por muito tempo. Enterrou praticamente toda a gente no clube na entrevista com Piers Morgan: os jogadores, os funcionários, os treinadores, a direção. Extraordinário!”, exclamou, num comentário na rede social Twitter.

A reação do recordista de golos da seleção inglesa e popular apresentador de televisão foi das poucas na noite da primeira parte da entrevista, da qual alguns excertos já tinham sido avançados antecipadamente.

O assunto não mereceu menção de primeira página da imprensa britânica, que remeteu a 'novela' para as secções desportivas e páginas eletrónicas, aproveitando o interesse no internacional português para aumentar as visualizações.

Até o tabloide The Sun, detentor do exclusivo em escrito da entrevista de Piers Morgan, tirou a entrevista da primeira página ao tema, ao contrário do que fez na segunda, terça e quarta-feira, preferindo fazer manchete com as acusações de apostas irregulares do jogador do Brentford, Ivan Toney.

A maioria da cobertura à polémica aconteceu no início da semana, após a divulgação dos primeiros excertos da entrevista explosiva, tendo a maioria dos comentários sido negativos.

Alguns comentadores e jornalistas desportivos britânicos reconhecerem razão em algumas das críticas ao clube, mas a maioria criticou a atitude de Ronaldo, concluindo que a entrevista é uma forma de forçar a saída do clube, no qual o português tem jogado pouco.

Henry Winter, jornalista do The Times, ironizou na segunda-feira que os 90 minutos de entrevista são “provavelmente” os mais memoráveis de Ronaldo esta época.

“Um jogador que deveria ser acarinhado como um grande do United acaba por destruir a própria reputação, ao tentar denegrir as pessoas do clube”, escreveu, considerando “grosseira" a referência à fisionomia do antigo colega Wayne Rooney.

Os "pontos pertinentes", nomeadamente a falta de renovação do estádio e centro de treinos e baixo investimento dos proprietários, a família Glazer, acrescentou, são "perdidos no meio do excesso de vaidade e ausência de autoconsciência” e da “falta de profissionalismo".

"Deixando de lado o facto de um funcionário tão importante estar ou não a violar o seu contrato durante a entrevista, Ronaldo tem de ir. A traição é demasiado grande”, afirma.

No Daily Telegraph, Sam Wallace recordou que Ronaldo não é a primeira lenda do clube a sair em conflito, enumerando George Best, David Beckham e Roy Keane, muitas vezes após a entrada de novos treinadores.

O jornalista suspeita que o holandês Erik ten Hag vai aproveitar esta situação para se ver livre do avançado de 37 anos e continuar a rejuvenescer e aprimorar a equipa sem irritar os adeptos que idolatram o número sete.

"Suspeita-se que a saída de Ronaldo é exatamente o que Ten Hag sempre quis. A vantagem é que veio com a revelação total de um lado da personalidade de Ronaldo essencialmente escondida do público”, escreve, descrevendo o português como “narcisista" e “egocêntrico”.

Chris Wheeler, do Daily Mail, recorda as alegações de “escravatura” do português em 2008, por o Manchester United não o querer libertar para o Real Madrid, e considera que "Cristiano Ronaldo carregar no botão de autodestruição é bom para Erik ten Hag”.

"Há a ideia de que Ronaldo se sentiu traído por causa de promessas quebradas sobre o seu tempo de jogo, e ele pode ter alguma razão. Mas esta não era a forma de o demonstrar”, critica.

Barney Ronay, do The Guardian, também conclui que o resultado da entrevista produz "uma sensação de clareza, de que a sua personalidade é um anátema à nova identidade da United” e elogia o holandês pela "gestão magistral de um membro difícil do plantel”.

"Só livrando o Manchester United de Ronaldo é que Ronaldo pode esperar resolver alguns dos problemas que ele, Ronaldo, identifica corretamente. Esta é uma das melhores notícias que o clube teve em algum tempo”, garantiu.

Dave Kidd, do The Sun, considerou que Ronaldo não consegue aceitar que perdeu qualidades com a idade, e que a equipa é mais importante do que as individualidades, e que poderia continuar a carreira se aceitasse menos influência como jogador, mas mais como pessoa.

“Por isso, foi útil para Ronaldo abrir-se e confirmar que ele é na realidade uma diva mais egomaníaca do que a maioria de nós suspeitava”, conclui.

A polémica entrevista desiludiu até um dos principais admiradores de Cristiano Ronaldo, o antigo colega Rio Ferdinand, que foi um dos mais entusiastas do regresso aos 'red devils em 2020 e dos poucos que o português elogiou na entrevista.

“A meu ver, este romance com o 'Man' United que Cristiano teve acabou. Não sinto que exista qualquer forma de voltar atrás, não sinto que o clube o aceite de volta e não penso que ele queira voltar”, afirmou no podcast 'Vibe with Five'.

Uma das poucas vozes que se levantou em defesa do português foi o antigo treinador do Benfica Graeme Souness, que invocou o direito de Ronaldo falar sobre os problemas na equipa e dar a sua versão.

"Ele nunca falou. Ele sente que está na altura de se abrir e contar a sua versão da história. Este é um jogador que, aos olhos de muitas pessoas, é o melhor jogador a ter 'chutado' uma bola”, comentou na rádio TalkSport.

Para o escocês, dentro de cinco anos, “ninguém se vai lembrar de Ten Hag, (mas) dentro de 55 anos ainda vão estar a falar do Ronaldo”.

Uma notícia que se destacou na quarta-feira e que circulou nas redes sociais foi a remoção de um poster gigante com a imagem de 'CR7' da parede principal do estádio Old Trafford na quarta-feira, apenas horas antes da entrevista ser emitida.

Porém, o jornal local Manchester Evening News explicou que esta ação não foi uma retaliação, como alguns pensaram, mas já estava planeada, porque o espaço vai ser usado para promover as finais da Taça do Mundo da Liga de râguebi, que terá lugar no fim de semana naquele estádio.