Uma entrevista de Raphael Varane ao diário desportivo francês 'L'Equipe' está a chamar atenção da imprensa francesa e internacional. O atual central do Manchester United alertou para os danos nos corpos dos jogadores, nomeadamente as concussões cerebrais.

Na entrevista, que faz capa do diário desportivo francês, o central de 30 anos recorda que alguns desempenhos ao longo da sua carreira foram afeitados pelas comoções cerebrais que sofrera dia antes.

"Tive várias concussões. Se analisar três dos piores jogos da minha carreira, há pelo menos dois em que sofri uma alguns dias antes: contra a Alemanha nos quartos de final do Mundial de 2014 [n.d.r. Varane jogou antes com a Nigéria] e com o Real Madrid frente ao Manchester City na Liga dos Campeões 2020 [n.d.r. tinha jogado antes com o Getafe]. Acabei aquele jogo com a Nigéria em modo 'piloto automático', nem conseguia falar com ninguém. Nem me lembro do jogo. No avião não estava bem e disse-o. Fiz o protocolo de recuperação, dormi e comi bem. Até tinha perdido peso e estava desidratado", recordou o jogador, que surpreendeu o mundo ao anunciar a sua retirada da seleção de França em 2022.

"Quando acabou senti uma tensão nos olhos. Olhando para trás, pergunto-me: se soubesse que era uma concussão, teria dito, arriscando não fazer o jogo seguinte com a Alemanha? Nem sei se houve testes há dez anos, como podia avaliar a minha capacidade para jogar contra a Alemanha nos quartos de final? Também não se pode culpar os médicos, é uma situação um pouco complicada. Em 10 anos, eu nunca quis falar sobre isto porque poderia soar a desculpas e eu nunca quis que parecesse, porque não é", finalizou.

Varane quebrou o silêncio, dez anos depois, porque entende que a questão tem de ser abordada. Ainda sobre o jogo com a Alemanha no Mundial2014 lembra-se de ter perdido uma bola aérea com Hummels que terminou no golo dos germânicos.

"No início do segundo tempo, há um cruzamento onde levo com a bola na têmpora e acabo a minha corrida nas redes da baliza adversária. Termino a partida, mas em modo 'piloto automático'", explica.

"Não sei o que poderia ter acontecido se tivesse levado outro impacto na cabeça. Sabemos que as concussões de repetição têm um efeito mortal. Na altura eu não era pai, mas agora aos 30 anos tenho três filhos e as coisas são diferentes", atirou.

O jogador garante que no Manchester United "recomendam não fazer mais do que dez cabeceamentos por treino". As suas preocupações chegou à família e Varane frisa que pediu ao seu filho, que também joga, que não cabeceia muito a bola nos treinos e jogos.

Na entrevista ao desportivo francês, Raphael Varane explica que não é fácil abordar o tema, principalmente quando tudo parece estar bem:

"Depois de uma repetição de golpes de cabeça, dizer que estás cansado depois de um jogo em que tudo correu bem é complicado. Por vezes nem pensamos em fazer testes", recorda, antes de deixar o aviso.

"Uma comoção cerebral é um problema de saúde real e pode ser vital reconhecer uma. As coisas vão mudando pouco a pouco, mas ainda há muito a fazer."

O agora jogador do Manchester United recordou ainda outro desempenho abaixo do esperado que teve na Liga dos Campeões, mais precisamente diante do Manchester City, quando representava o Real Madrid. Varane explica que no jogo anterior, diante do Getafe, tinha levado uma bolada no canto, algo que levou a sua saída prematura do encontro. Depois de seguir o protocolo de recuperação, o jogador frisa que se sentia muito cansado, sem energia, mas que nunca pensou que isso se devesse a pancada que tinha levado na cabeça no jogo diante do Getafe. Ora essa pancada viria a ter um peso enorme no seu desempenho diante do Manchester City, no jogo seguinte.

"Senti logo no aquecimento, dizia para mim mesmo: 'acorda!' Quase tive vontade de me dar um estalo. Durante o jogo, fui muito lento na três primeiras bolas, não conseguia concentrar-me. O jogo foi mau para mim (Varane teve dois erros que resultaram em golos da equipa inglesa) e, olhando para trás, percebi que esteve relacionado com o choque que tinha sofrido. Questionei-me muito e percebi que aqueles erros não tinham caído do céu", recorda.

Varane considera que os jogadores de futebol estão habituados à dor, “são como soldados, durões, símbolos de força física”, mas o problema das concussões é que os “sintomas são invisíveis”.

“Devemos falar dos perigos ligados à síndrome do segundo impacto [segundo trauma sofrido antes da recuperação total após a primeira concussão], e à repetição de choques por causa do jogo de cabeça”, conclui o jogador francês.

Em Inglaterra, 10 ex-jogadores e as famílias de outros sete já falecidos processaram vários órgãos dirigentes do futebol britânico, que acusam de terem “estado sempre perfeitamente conscientes” dos riscos de concussões e lesões cerebrais e “não terem tomado as medidas necessárias”.