Carlos Queiroz completa hoje 70 anos de vida, 40 deles de carreira, dedicados ao futebol. Numa entrevista ao site oficial da Federação do Qatar,  seleção que assumiu no início de fevereiro, o técnico fez uma análise do futebol mundial e da a evolução do treino e deixou pistas para o futuro.

"O treino começou com o jogo. Depois de algumas barbaridades curiosas e até engraçadas, vividas pelo processo do treino ao longo dos tempos (os chamados pecados do progresso), a evolução do treino fez regressar o jogo e as suas formas jogadas ao conteúdo e à metodologia do treino. Consolidados conceitos e métodos, consolidados os fundamentos técnicos, tácticos, físicos e mentais do jogador e do futebol contemporâneo, creio que o grande desafio, hoje, é o cérebro e tudo o que tem que ver com o treino das tomadas de decisão do jogador, desde a formação à alta competição. As novas descobertas da ciência no estudo do cérebro abrem novos caminhos no treino e consequentemente no jogo e na competição. Refere-se como exemplo todo o potencial inovador do treino virtual", destacou.

E para onde evolui o futebol de alta de competição?

"Não tenho a certeza se ainda podemos falar do mesmo jogo de Futebol. Olho para o Futebol contemporâneo e por vezes não sei bem do que estamos a tratar. Sim, este jogo ainda tem os vestígios da ética do futebol original, do seu romantismo, mas eu preferia chamar-lhe hoje o jogo do 'winning business', ou de uma outra coisa qualquer", começou por responder.

"Antes, primeiro criavam-se os troféus, as competições e logo as mais-valias financeiras e o mérito eram atribuídos os campeões. Hoje criam-se e calculam-se mais-valias financeiras, e logo lhe atribuímos o nome de um troféu qualquer. Daí, o futebol internacional de seleções e de clubes correr graves riscos. No princípio treinavam-se heróis ingénuos e românticos. Depois começámos a chamar-lhes profissionais. Mais adiante começámos a treinar milionários. Hoje treinamos autênticas empresas, verdadeiras companhias, com interesses diferenciados e por vezes até antagónicos na mesma equipa", analisou o português de 70 anos.

Ao site oficial da Federação do Qatar,  Carlos Queiroz lamentou que o treinador tenha vindo a perder protagonismo no futebol atual.

"O treinador baixou na escala de valor e de importância - e algumas vezes por culpa própria. Cedemos espaço de importância e território de intervenção aos chamados agentes do futebol e aos media em geral, que se impõem numa postura e posição perversamente confortável: agentes que curiosamente nunca perdem jogos, mas que também nunca ganharam nenhum. E no entanto, aos treinadores cabe sempre, por responsabilidade e exigência própria, cuidar da génese do jogo e da sua única verdade aceitável: os três pontos. E por isso a eles compete trabalhar o progresso, defendendo e promovendo ao mesmo tempo esse conceito sublime de triunfar em equipa, e ao mesmo tempo zelar pela ética fundamental do jogo", finalizou.

Carlos Queiroz: 40 anos de carreira ao mais alto nível

O português Carlos Queiroz foi apontado, a 6 de fevereiro, como novo selecionador de futebol do Qatar, após ter estado no Mundial de 2022 organizado por aquele país árabe com o Irão. O português, que hoje completa 70 anos, sucedeu ao espanhol Félix Sánchez Bas, de 47, dispensado pela Associação de Futebol do Qatar, após o Mundial2022, ao fim de cinco anos no comando da seleção.

Queiroz, que foi selecionador português em dois períodos (1991/93 e 2008/10), tinha deixado a seleção do Irão também após o Mundial, para o qual tinha sido contratado em substituição do croata Dragan Skocic.

Ao longo de 30 anos de uma carreira iniciada em 1991, Queiroz orientou seis seleções, tendo passado pelo comando dos Emirados Árabes Unidos (1999), África do Sul (2000 a 2001) e Colômbia (2019 a 2020), além de Portugal (1991 a 1993 e 2008 a 2010), Irão (2011 a 2019 e 2022) e Egito (2021 a 2022).

Depois de conquistar dois mundiais de sub-20 com Portugal, em 1989 e 1991, com a denominada ‘geração de ouro’, Queiroz foi o escolhido para levar a seleção principal ao Campeonato do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, mas falhou o objetivo e abandonou o cargo, na altura, com críticas fortes à Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

Seguiram-se três temporadas no Sporting (o máximo que conseguiu foi uma Taça de Portugal) e passagens pelos Estados Unidos (MetroStars), Japão (Nagoya Grampus), Emirados e África do Sul, até chegar a Inglaterra, em 2002/03, para ser adjunto de Alex Ferguson no Manchester United.

Na época seguinte, Queiroz foi o escolhido para comandar o Real Madrid, mas a aventura no emblema ‘merengue’, pelo qual conquistou a Supertaça de Espanha, apenas durou uma temporada, regressando no final a Manchester, novamente para ser o 'número dois' de Ferguson.

Em 2008, o antigo guarda-redes, nascido em Nampula, em Moçambique, regressou à seleção portuguesa, desta vez para render o brasileiro Luiz Felipe Scolari e garantir o apuramento para o Mundial2010, objetivo que foi cumprido.

Na África do Sul, Portugal caiu nos oitavos de final perante a Espanha (1-0), que viria a conquistar a prova, e Queiroz voltou a abandonar o cargo em conflito aberto com a direção da FPF, mas também com alguns jogadores lusos, como Cristiano Ronaldo ou Pepe.

Em 2011, o técnico chegou ao Irão, onde permaneceu oito anos, disputando dois mundiais, nos quais ficou sempre pela fase de grupos.

No Brasil, em 2014, a seleção iraniana apenas alcançou um empate, mas, em 2018, na Rússia, Queiroz obteve um triunfo (1-0 sobre Marrocos), apenas o segundo da história desse país em campeonatos do mundo, e empatou com Portugal (1-1).

No Qatar, Carlos Queiroz participou pela quarta vez num Mundial, terceira consecutiva com o Irão, depois de ter liderado Portugal na edição de 2010, na África do Sul, onde alcançou o seu melhor registo, chegando aos oitavos de final.