
A carreira de Gabriel Santos deu um novo passo há pouco mais de dois meses, quando trocou o papel de adjunto no Académico de Viseu, onde trabalhava com Sérgio Vieira, pelo comando técnico do Aubagne, que disputa pela primeira vez a terceira divisão francesa. Aos 42 anos, o treinador português dá início à sua aventura como “número um” com o mesmo espírito de sempre: ambição, trabalho e identidade. Em entrevista ao SAPO desporto, Gabriel Santos explica o que o levou a aceitar o desafio, recorda o percurso como adjunto em clubes como Bastia, Caen ou Troyes, e reflete sobre o futebol português, os planos para o futuro e a qualidade que a nova geração lusa – com destaque para Vitinha e João Neves – está a evidenciar no campeonato francês.
Após tantos anos como adjunto, o que o levou a avançar, esta época, a abraçar a carreira de treinador principal?
O projeto desde o início era exatamente esse. Desde o momento em que entrei para a Escola Superior de Desporto de Rio Maior, para tirar já o curso específico de treinador, o objetivo sempre foi ser treinador principal. Agora sentia que precisava de muitos anos como treinador adjunto para ir adquirindo experiências. E foi o tempo que precisei para tirar todos os níveis da federação portuguesa de futebol, que culmina com o UEFA Pro. E a partir do momento que tirei o UEFA Pro, em 2024, estava habilitado para treinar qualquer equipa a nível mundial. A partir daí era uma questão de tempo até surgir uma oportunidade. Não que tivesse procurado muito mas o facto de ser treinador adjunto durante muitos anos, mostrando o meu trabalho... As pessoas dos clubes por onde passei foram gostando do meu trabalho. Acabou por surgir esta oportunidade que decidi aceitar.
Como surge a oportunidade de treinar em França?
Na verdade já tinha trabalhado seis épocas em França, em cinco clubes diferentes. Eu já tinha trabalhado na Primeira Liga francesa e na Segunda Liga francesa. Sempre com o treinador Rui Almeida, português também. O Bastia, da Primeira Liga, o Caen, o Red Star, o Nuiortais, o Troyes, clubes da Segunda Liga com experiências completamente diferenciadas de subidas de divisão, de permanência. Era um mercado que eu já conhecia bastante e muita gente já me conhecia. Tantos anos passados aqui e, felizmente pelos clubes onde passei, mesmo como adjunto, sempre fui deixando uma boa imagem e sempre dei o meu melhor, como sempre faço até hoje. Acho que isso ficou na retina das pessoas e por isso é que surgiu a oportunidade. Antes disso já tinha havido outros convites para continuar como adjunto em França, que eu claramente recusei. Mas neste momento surgiu este convite para trabalhar como principal e decidi aceitar. Este clube queria um treinador com experiência já em França mas ao mesmo tempo com uma escola diferente, que fosse português ou espanhol. Quando me telefonaram disseram que tinham falado com presidentes de vários clubes e que toda a gente me recomendou.

As referência
Quem são as suas grandes referências como treinadores?
Não é fácil escolher uma grande referencia porque na verdade todos temos várias, gostamos de vários treinadores em certos momentos. O Mourinho, claramente. Desde a juventude, no momento que entrei para a faculdade, era uma grande referência. Depois o Guardiola, outra grande referência. O Simeoni, com um estilo completamente diferente, mas também acho que é uma forma diferente de trabalhar porque consegue convencer os jogadores a trabalhar da sua forma, mais defensiva. Depois também todos os treinadores com quem eu trabalhei também são referencias. Todos eles ajudaram no meu percurso. Desde o Leonardo Jardim, em Braga, ao Marco Silva, no Sporting, o Rui Almeida, com quem trabalhei muitos anos em França, e o próprio Sérgio Vieira, com quem trabalhei agora nos últimos dois anos em Portugal. Com todos esses treinadores tive o privilegio de aprender bastante. Se, hoje em dia, sinto-me capaz de dar o passo para ser treinador principal, também é muito graças a eles todos.
O que lhe disse Sérgio Vieira quando decidiu cortar a ligação?
O Sérgio reagiu de forma positiva, como é óbvio. Conheço o Sérgio há mais de 20 anos e somos amigos desde o tempo da faculdade. Foi uma atitude de encorajamento e de apoio. Sabe a importância deste momento de iniciar uma carreira como treinador principal. Ele também já sabia que isto podia acontecer.
Com que primeiras impressões ficou do 3º escalão francês?
Já tinha trabalhado na primeira e segunda liga francesa, na terceira é verdade que nunca tinha trabalhado, apesar de conhecer um pouco, por ver alguns jogos e conhecer alguns jogadores. Mas é um campeonato extremamente interessante e cada vez vai ser mais. Para começar houve uma redução de equipas da primeira e da segunda liga, que foram obrigadas a cair para a terceira. Logo, a terceira divisão ficou com clubes que há pouco tempo estavam na primeira liga. Na terceira divisão temos jogos com 15 mil espectadores. Em Portugal isso nem na II Liga acontece, e às vezes na primeira também é dificil. Temos estádios com 30 mil lugares. É uma liga super competitiva, que tem excelentes jogadores. É um mercado emergente, mesmo para Portugal. Cada vez mais as equipas portuguesas têm vindo buscar jogadores a esta divisão, porque são excelentes talentos, a nível físico são extraordinários e a nível financeiro continuam a não ser os jogadores mais caros. É uma liga muito interessante e quem tiver oportunidade de ver os jogos vai ficar surpreendido com a qualidade técnica, tática. Dentro de dois anos, a liga francesa pretende fazer uma terceira divisão quase ao nível da league one, em Inglaterra. O projeto passa por aí, algo que irá fazer com que este campeonato se torne mais forte ainda.
Futuro mais ou menos decidido
Pretende continuar no Aubagne? Na próxima temporada será um projeto de subida?
Esta época foi a época de estreia do Aubagne na terceira divisão francesa. Nunca tinha estado neste patamar. É a equipa com o orçamento mais baixo. E, no início, toda a gente apostava que era a equipa que ia descer de divisão. Mas a verdade é que está a fazer um campeonato extraordinário e podemos terminar em quarto lugar. No início ninguém esperava isso. Isto também é fruto do grande trabalho da direção que conseguiu recrutar excelentes jogadores. Para a próxima época o objetivo é fazer igual e quem sabe poder lutar pela subida. Sabendo que não é fácil. Em relação à minha situação, ainda não está nada assinado, está apalavrada a minha continuação aqui. Estamos já a preparar a próxima época, a nível de jogadores de planificação. Mas ainda não está nada fechado em concreto.

Portugal no horizonte
Tem o objetivo de voltar a Portugal para ser treinador principal?
Claro que é interessante. Treinar o meu país, perto da minha família, é um dos objetivos. E Portugal tem campeonatos muito competitivos. A I e II Liga sao campeoantos bastante interessantes. Felizmente tive o prazer de trabalhar em várias equipas como adjunto na I e II Liga portuguesa e pude comprovar que os clubes estão cada vez melhores a nível de infraestruturas, de qualidade dos jogadores. Tem crescido a olhos vistos. Se houver oportunidade é claro que é um ponto a refletir, sabendo que em França o mercado também de ascensão.
PSG e o cunho qualitativo português
Alguns dos grandes destaques do principal campeonato francês têm sido Vitinha e João Neves. Como português que é, sente orgulho nisso? A qualidade deles é muito falada em França?
É verdade que a preponderância deles aqui no campeonato francês tem sido enorme, quer a nível interno, quer a nível de competições europeias. E em França toda a gente fala disso. A forma como estes dois jogadores mudaram completamente a face do Paris Saint-Germain. Se antigamente era uma equipa que tinha muitos jogadores confirmados, com estrelas de enorme talento, agora decidiu seguir outro rumo. Continua a ter jogadores com grande talento mas mais jovens e com outras características. A intensidade deles, a qualidade de jogo e a vontade que transportam para cada jogo tem sido falado. Uma grande parte do sucesso do PSG passam pelo Vitinha e o João Neves. Por ser português e trabalhar aqui, toda a gente me pergunta sobre eles. Já tive o prazer de jogar contra o João Neves quando estava no Estrela da Amadora. Várias vezes dou o exemplo dele aos meus jogadores porque realmente é um caso a seguir. A intensidade, de vontade, de qualidade que ele aporta a cada jogo. E com isso o PSG ganhou bastante, por ter seguido esse caminho. O Luis Enrique fez um excelente trabalho e a direção que recrutou esta nova onda de jogadores.
Sente que é possível transpor a rotina dos dois para a Seleção Nacional na Liga das Nações?
Claro que é possível transportar isso para a Seleção Nacional. Agora a seleção sempre tem um lote de jogadores extraordinários, e não é fácil que joguem todos e não é fácil de encaixar todas as rotinas. Mas o selecionador, com certeza, tem mais informações que nós para escolher os melhores jogadores possíveis para atacar cada desafio. São dois jogadores extraordinários que podem vir a afirmar-se na seleção portuguesa. Estão a terminar a época num excelente estado de forma e vão chegar à Liga das Nações prontíssimos para ajudar Portugal.
O Paris Saint-Germain é favorito à conquista da Liga dos Campeões?
Eu penso que é bem possível que isso venha a acontecer. Pelo menos na teoria. Demonstra um futebol muito mais atrativo, ofensivamente estão muito fortes, defensivamente também, na reação à perda... No fundo têm todos os predicados para que isso venha a acontecer. Agora a equipa do Inter também tem uma organização defensiva extraordinária e é muito forte nas transições ofensivas. E pode a qualquer momento marcar um golo. É uma incógnita. Diria que o PSG parte um bocadinho na frente pela qualidade da equipa e pelo que está a jogar neste momento. Mas o Inter, tal como ficou na retina no jogo contra o Barcelona, é uma equipa que nunca vira a cara à luta, tem muita experiência, sabe aguantar todos os momentos do jogo, sabe esperar para poder fazer uma transição e marcar um golo. E isto pode criar imprevisibilidade no jogo. Vai ser um excelente jogo entre duas equipas completamente diferentes, com dois sistemas de jogo completamente diferentes. Um 4x3x3 contra um 3x5x2. Vai ser uma grande final, como já não vemos há algum tempo.
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