Rui Pinto, criador do Football Leaks, acusado pelo Ministério Público (MP) de 147 crimes de acesso ilegítimo, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão, sabe hoje por quantos crimes vai responder em julgamento.

A leitura da decisão instrutória, pela juíza de instrução criminal Cláudia Pina, está marcada para as 14:00 no Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa, no Campus da Justiça.

Até lá, recorde o que levou o hacker português à barra do tribunal.

Em 19 de setembro, o Ministério Público (MP) acusou Rui Pinto de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, sete deles agravados, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, do fundo de investimento Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol e da Procuradoria-Geral da República, e posterior divulgação de dezenas de documentos confidenciais destas entidades.

A sociedade de advogados PLMJ fez parte da defesa do Benfica no processo conhecido como 'e-toupeira'.

No dia seguinte, em 20 de setembro, a defesa do arguido considerou que a acusação do MP “contém numerosas falsidades, nulidades e ilegalidades”, visando “silenciar e destruir” o criador do Football Leaks.

Já a acusação do MP, a que a Lusa teve acesso, diz que, entre 06 de novembro de 2018 e 07 de janeiro de 2019, o arguido "efetuou um total de 307 acessos” à PGR.

Tancos, BES e Operação Marquês

Ao todo, o arguido obteve 79 documentos: sete extraídos da pasta do Conselho Superior do Ministério Público, 41 do Sistema de Informação do Ministério Público e 31 de “extraídos de outras pastas da PGR”, lê-se na acusação, acrescentando que os mesmos foram guardados num disco externo.

Rui Pinto teve acesso a documentos e despachos relacionados com o inquérito sobre o universo Espírito Santo (BES), um dos maiores escândalos financeiros e que lesou mais de 10 mil clientes, e com o furto de armas em Tancos, ocorrido em junho de 2017 e que levou à constituição de arguido do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, que saiu na sequência do escândalo relacionado com a alegada encenação no “achamento” do armamento, investigações ainda em curso e em segredo de justiça.

O arguido, indica a acusação, acedeu a despachos e a requerimentos de abertura de instrução da Operação Marquês, que tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro José Sócrates, processo que se encontra na fase de instrução.

Entre os processos que Rui Pinto obteve documentação está ainda a investigação ao processo conhecido como Rota do Atlântico, no qual o empresário José Veiga é um dos arguidos e chegou a estar em prisão preventiva por suspeitas de corrupção no comércio internacional, fraude fiscal e branqueamento de capitais e tráfico de influências.

Rui Pinto, que, segundo o MP, foi o “criador” da plataforma informática Football Leaks, teve ainda acesso aos despachos da Procuradora-Geral da República, de 29 de março e de 01 de junho de 2018, em que, no primeiro, “cria a equipa para investigar factualidade passível de integrar crimes no âmbito da competição desportiva (futebol)”, e, no segundo, “alarga o número de magistrados” afetos a esta equipa.

O arguido teve também acesso a um documento com o nome, o número de telefone, o endereço de correio eletrónico e a data de nascimento “de todos os magistrados do Ministério Público”, assim como a correspondência trocada entre magistrados, relacionada com processos judiciais.

A acusação diz ainda que Rui Pinto acedeu à pasta de correio eletrónico de Amadeu Guerra, à data diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, e que é uma das 71 testemunhas arroladas pelo MP na acusação.

Entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019, Rui Pinto consultou mais 12 processos que ainda estão em segredo de justiça.

Em prisão preventiva desde 22 de março do ano passado, Rui Pinto, de 30 anos, foi detido na Hungria e entregue às autoridades portuguesas, com base num mandado de detenção europeu (MDE), que apenas abrangia os acessos ilegais aos sistemas informáticos do Sporting e da Doyen.

Como o arguido nunca renunciou ao princípio da especialidade, para que a justiça portuguesa pudesse vir a acusar e a julgar Rui Pinto por outros factos e crimes que não estes, o MP teve de pedir a extensão do MDE às autoridades húngaras (que autorizaram), com base em novos factos e indícios entretanto apurados no decorrer desta investigação, os quais vão dar origem a outros processos judiciais.

Os e-mails do Benfica

Rui Pinto é também suspeito de ser o autor do furto dos e-mails do Benfica, em 2017.

A acusação do MP sustenta que, a partir do início de 2015 e até 16 de janeiro de 2019, “o principal arguido muniu-se de conhecimentos técnicos e de equipamentos adequados que lhe permitiram aceder, de forma não autorizada, a sistemas informáticos e a caixas de correio eletrónico de terceiros”.

Para o efeito, “instalou, nos seus equipamentos, diversos programas informáticos e ferramentas digitais que lhe permitiam, de forma dissimulada e anonimizada, entrar nos mencionados sistemas informáticos e caixas de correio de terceiros e daí retirar conteúdos”.

Em julho de 2019, a TVI noticiou que as perícias da Polícia Judiciária aos computadores apreendidos a Rui Pinto em Budapeste, demonstram que terá sido o hacker o autor do roubo dos emails do Benfica, entre 2008 e 2017.

O pirata informático publicava esses documentos obtidos de forma ilícita no blogue 'Mercado de Benfica', pelo qual era responsável. Os emails eram também repassados para o Porto Canal.

Na sequência da divulgação desses emails, foi aberto um processo-crime contra responsáveis do Benfica por alegada corrupção desportiva. Alguns dos e-mails continham conversas cifradas e consideradas suspeitas entre dirigentes encarnados e pessoas ligadas à arbitragem.

Ainda segundo a TVI, Rui Pinto terá acedido de forma ilegítima às caixas de correio eletrónico de altos magistrados e procuradores do Ministério Público, estando entre eles a diretora do DIAP, Fernanda Pêgo.

Foi divulgada na Internet uma informação de serviço da Polícia Judiciária que alertava a magistrada para suspeitas de corrupção na justiça, pois haveria funcionários judiciais a passar informações de processos a responsáveis do Benfica, o que deu depois origem ao caso 'E-Toupeira'.

Depois disso, a Polícia Judiciária começou a analisar a vida financeira no hacker, no sentido de perceber se este agia sozinho ou se estava a ser pago e ao serviço de rivais do clube da Luz.

Outros 'alvos'

Além disso, desde que Sérgio Conceição assinou pelo FC Porto, na temporada de 2017/2018, que o hacker Rui Pinto passou a seguir atentamente os passos do técnico portista. Meses antes, o hacker tinha começado o ataque ao Benfica.

Segundo o Correio da Manhã, Rui Pinto "consultou os apensos do processo que vai agora ser investigado autonomamente e verificou que o primeiro acesso ao email de Sérgio Conceição foi feito a 31 de outubro de 2017. Há outros registos de acessos a funcionários dos azuis-e-brancos, mas sempre de segunda linha".

De acordo com a mesma fonte, em fevereiro de 2017, o colaborador da Football Leaks tinha pirateado Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, assim como Rui Costa, José Eduardo Moniz e Luís Bernardo.

Em junho ficou a saber-se que Rui Pinto também teria pirateado emails do FC Porto e da FIFA. Além dos azuis e brancos, também o Nacional da Madeira, que tem relações contratuais com o Benfica, foi alvo dos ataques informáticos.

Segundo um despacho assinado pela procuradora da República Patrícia Barão, Rui Pinto protagonizou ainda acessos ilegais a “organismos do meio futebolístico, tal como FIFA, Confederação Sul-americana de Futebol, Clube Desportivo Nacional e Futebol Clube do Porto”.

Para além do técnico portista e dos dirigentes encarnados, foram também pirateados vários e-mails de funcionários do Sporting.

Nem Cristiano Ronaldo escapou a Rui Pinto. O internacional português da Juventus esteve no passado mês de junho em Lisboa para ser ouvido na Polícia Judiciária na condição de testemunha no âmbito do processo que investiga o 'pirata informático'.

De acordo com a informação veiculada pela imprensa nacional, na altura, a investigação judicial já tinha apurado que Rui Pinto invadiu as caixas de correio electrónico de Cristiano Ronaldo e dos seus advogados e estará na origem das notícias sobre o caso da alegada violação nos EUA e da milionária fuga ao fisco em Espanha.

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