O Lisboa Games Week promoveu um painel dedicado aos desportos eletrónicos praticados em Portugal, composto por jogadores e representantes por entidades ligadas aos eSports. Pedro Neto, jogador de FIFA Pro Teams no Boavista, mas engenheiro de profissão, destaca que desde pequeno viu nos desportos eletrónicos uma oportunidade. O jogador de origem brasileira referiu que embora em crescimento, os desportos eletrónicos ainda não oferecem rendimentos suficientes para manter a maioria dos atletas em full time, o que obriga a um penoso exercício de conciliação com o emprego, assim como o lado familiar. Dá o exemplo dos problemas que se colocam quando a esposa quer sair, mas não pode porque tem de treinar, cerca de três ou quatro horas por dia.

Fernando Veiga, advogado e especialista em direito de desporto, refere que Portugal ainda não tem estruturas, mas por outro lado, também aborda o problema da falta de reconhecimento dos eSports como um desporto oficial, ao contrário da China e das Filipinas. “Não compreendo como o xadrez já seja considerado um desporto olímpico, mas os eSports ainda não”. Na sua opinião um desportista de jogos eletrónicos mantém as rotinas, a mentalidade e a exigência dos treinos, e tudo mais relacionado com uma carreira desportiva, como qualquer outro desporto. Defende que o caminho passa pelo reconhecimento dos eSports como verdadeiro desporto. Mas acrescenta que há um círculo vicioso, porque se não há profissionalismo e reconhecimento, também não se pode aplicar a mesma legislação do desporto, e vice-versa.

painel esports lisboa games week
Da esq. para a dir.: Fernando Veiga, advogado e especialista em direito de desporto; Pedro Neto, engenheiro e jogador de FIFA Pro Clubs no Boavista; Francisco Laranjeira, jornalista do Record e moderador do painel; Reinaldo Ferreira, vice-presidente da FPF Esports; Tiago Justo, vice-presidente da FEPODEL

Reinaldo Ferreira, vice-presidente da Federação Portuguesa de Desportos Eletrónicos, afirma que já existem algumas equipas, e considera que os eSports são uma atividade física e mental suficientes para serem considerados desporto. Ainda assim, refere que os eSports não estão na estaca zero, dando o exemplo da aposta feita no futebol de cinco, que depois do investimento deu frutos. Acrescenta ainda que faltam jogadores para o ecossistema, pois sem estes não há desportos. Os chamados “enablers”, as equipas que formam e cativam os melhores jogadores são importantes, mas também as entidades responsáveis por divulgar os desportos eletrónicos. É preciso reunir as marcas e os promotores de jogos para desenvolver o ecossistema de forma equilibrada.

O jogador do Boavista remata que pretende profissionalizar-se nos próximos dois anos, afirmando que a sua vida iria mudar por completo. Na sua profissão trabalha em engenharia robótica, e apesar de gostar muito da sua profissão, deseja diminuir o número de horas no emprego para se dedicar aos eSports.

Para a FEPODELE, representado pelo vice-presidente Tiago Justo, é necessário fazer um trabalho para proteger os atletas, um estatuto semelhante aos restantes jogadores profissionais, para que possam desenvolver a sua atividade de forma mais tranquila. Mas remata para as entidades a responsabilidade da regulação e salienta ainda que os estudos feitos e apresentados contra o vício dos videojogos tendem a ofuscar o seu real valor perante os legisladores.

O advogado refere que cada jogo significa um desporto eletrónico diferente, e os jogadores debatem-se sobre quais as competições que devem entrar. Mas os jogadores necessitam compreender como é feito uma vida profissional. Adianta ainda as dificuldades no licenciamento dos jogos, nas questões dos streaming, nos contratos que os jogadores assinam com as entidades das competições, mas também com as suas equipas. Muitos jogadores não compreendem que não podem fazer apostas nos seus próprios jogos, e por isso é necessário criar as condições ideais baseado em legislação para praticarem de forma consciente.

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A OFFSET é a única equipa profissional portuguesa.

Em Portugal já se reconhece o atleta-estudante para os desportos convencionais, estatuto que permite aceder de forma mais fácil à sua profissão sem abandonar os estudos. Mas para os eSports ainda não existe esse estatuto: “entregar numa universidade uma declaração de um jogador de eSports ainda não é possível”, salienta o representante da FPDE. “É um ecossistema muito complexo, sem dúvida”, responde o advogado Fernando Veiga.

Apesar de em Portugal se organizarem eventos, nos últimos cinco anos nota-se uma grande evolução das competições, avança o jogador do Boavista. Para a FPDE é preciso ter calma em organizar a profissionalização dos jogadores, pois existe muito trabalho e é necessário trazer o máximo de pessoas interessadas para o meio. E não apenas dos jogadores para aumentar o ecossistema, pois só com eles não se conseguem estabelecer o regulamento. “Tem de haver mais jogadores, mais equipas, mas também entidades”, destaca o seu representante.

“Só em Lisboa a Federação tem 60 mil jogadores de futebol”, destaca o advogado, quando comparado com a força que tem a modalidade face a tudo o resto. Para o representante da FEPODEL há uma pressão social feita aos clubes e jogadores, e enquanto não houver uma convergência dos eSports para os desportos convencionais não se consegue ter um ecossistema saudável. E para isso é necessário unir jogadores, treinadores, equipas e entidades para conquistar esse direito. Há ainda que lidar com problemas como o bullying que existe nos eSports, seja a nível físico, como mental, online, salienta Reinaldo Ferreira da FPDE. Destaca ainda os boicotes que os jogadores por vezes fazem, que coloca em causa o investimento feito nos torneios pelos patrocinadores e marcas, e por isso é que a atividade deveria ser regulamentada.

eSports reconhecidos como desporto oficial no Sri Lanka
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E há marcas que querem investir, mas muitas vezes nem sabem como chegar às equipas e atletas, avança o advogado. Mas também há marcas que obrigam à adaptação das organizações às suas políticas, para que possam entrar no barco, refere o responsável da FPDE. De recordar que ainda recentemente a Eletronic Arts colocou problemas aos eventos físicos de FIFA em Portugal, obrigando a organização dos campeonatos a adaptar-se em concordância para manter a licença do jogo.

Outro problema abordado pelo painel é a falta de capital e subsistência das equipas, por vezes com dificuldade em deslocar-se nos eventos nacionais, quanto mais nos torneios internacionais. “Gostaríamos de ver Portugal mais destacado no estrangeiro, nos eSports, e pedia às marcas que apostassem mais nas equipas”, pede o responsável da FEPODEL.