O grupo de refugiados ucranianos que tem feito da canoagem terapia contra a guerra está satisfeito em Ponte de Lima, mas pretende voltar rapidamente ao seu país, embora as estruturas locais trabalhem para os integrar plenamente na sociedade.

“Estamos sempre a pensar regressar, no fim da guerra. O início aqui foi uma dor de cabeça para perceber como vai ser tudo, onde buscar a roupa, a comida, organizar as papeladas. Agora que tudo está estabilizado, a cabeça está menos ocupada e a pensar mais em regressar a casa”, confessa Tetyana Semykina.

Em declarações à agência Lusa, a treinadora de canoagem e antiga medalhada olímpica em Atenas2004 elogia todos quantos têm trabalhado para que se sintam completamente bem-vindos, contudo recorda que “em casa ficaram maridos e filhos com mais de 18 anos, que não podem sair” do país.

“Temos o coração sempre nas mãos. Estamos sempre a pensar neles. Alguns não combatem diretamente, porém são voluntários, estão a apoiar, a ajudar. A sensação de saudade e preocupação ocupam o nosso coração. Há quem esteja aqui sem maridos e filhos”, ilustra.

Tetyana lidera diariamente uma equipa de 15 jovens canoístas – ficaram “extasiados” quando conheceram o olímpico Fernando Pimenta – entre os 12 e os 16 anos, num agregado de 35 refugiados que integra 22 crianças e jovens e 13 mulheres.

Oleksandr, um dos seis menores que não está acompanhado pelos progenitores, assumiu a “saudade da família”, revelando-se especialmente “preocupado” com o facto de o irmão maior de idade estar a “combater na guerra”.

“Claro que queria que os meus pais viessem para perto de nós, mas acima de tudo queremos voltar o mais rapidamente para casa”, frisa, garantindo, ainda assim, estar “muito satisfeito” com as condições e o modo como foram recebidos em Ponte de Lima.

O seu amigo Herman, igualmente desacompanhado por um familiar, destacou a “união” dos seus colegas portugueses na sua adaptação à escola e assumiu o desejo de um dia poder retribuir a forma como os europeus têm acolhido os refugiados.

“A guerra é muito má, tira muitas vidas, mas é muito bom termos conhecido o lado da Europa, os portugueses. Queremos ser um exemplo para eles, sermos iguais, de coração aberto. Os portugueses são um exemplo para nós”, vincou.

A barreira linguística faz com que os jovens que treinam no Clube Náutico de Ponte de Lima ainda não tenham convivido em pleno com os canoístas locais, situação que, progressivamente, começa a mudar e até já está previsto um desafio entre os atletas das suas nações.

“Neste momento, ainda estão um pouco fechados, contudo já se nota alguma abertura da parte deles. Esperemos que, no futuro, consigam treinar todos juntos. Há uma forte abertura dos nossos atletas para que sejam criados esses laços”, disse à Lusa Ernesto Pereira, responsável do clube e vice-presidente da Federação Portuguesa de Canoagem.

O dirigente entende que “inserir pessoas na sociedade” é um dos papéis do desporto e reiterou a disponibilidade do clube em manter o apoio a estes cidadãos, elogiando o papel de algumas mães que “têm feito um esforço para dar carinho” especial aos jovens que estão em Ponte de Lima sem qualquer dos seus progenitores.

Enquanto o CN Ponte de Lima tem cuidado da parte ocupacional, através do desporto e lazer, com a colaboração da Nelo em termos de barcos e material, a autarquia tem assumido os custos da alimentação, água, luz, telefone, material de higiene pessoal, entre outros, enquanto a Santa Casa da Misericórdia tem cedido instalações e fornecido “apoio psicológico e técnico” aos adultos.

“Estamos a apoiar algumas das mulheres no sentido de as introduzir no mercado de trabalho e até já conseguimos o voluntariado de uma senhora professora, já aposentada, que lhes está a dar aulas de português”, explicou o provedor da Santa da Misericórdia de Ponte de Lima, Alípio de Matos.

O responsável destacou o esforço das partes envolvidas para “tentar minimizar os efeitos” da guerra neste grupo – “na madrugada da Páscoa acordaram com foguetes e houve alguns problemas” -, considerando que, atualmente, “a situação está estabilizada, até emocionalmente”.

“Estamos a prepará-los para que uma situação transitória desapareça e consigamos obter uma definitiva, que é inserir as mães no mercado de trabalho, estando certo de que, com isso, conseguem a sua autossuficiência e não estarem a viver debaixo do erário público”, concluiu.

Tatiana, ucraniana que reside em Ponte de Lima desde 1999, tem sido o “anjo da guarda” que todos elogiam, com disponibilidade diária extra-laboral para ajudar nas traduções e todo o tipo de necessidades.

A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou mais de três mil civis, segundo a ONU, que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.

A ofensiva militar causou a fuga de mais de 13 milhões de pessoas, das quais mais de 5,5 milhões para fora do país, de acordo com os mais recentes dados da ONU.