Pedro Pablo Pichardo lamentou a falta de cultura desportiva em Portugal e o esquecimento a que são votados os atletas de outras modalidades que não o futebol, assegurando sentir-se plenamente ambientado ao país que o acolheu.

“Acho que [já faço] muita coisa como os portugueses. Já comecei a comer bacalhau à Brás, também vou muito ao Algarve, onde faço muitos treinos e até férias com a família. Muita coisa... ao frio é que ainda não me adaptei”, admitiu o campeão olímpico no triplo salto.

O título conquistado em Tóquio2020, em agosto último, não mudou o atleta natural de Cuba, que se naturalizou português em 2017.

“A única parte complicada para mim é a parte desportiva. Ainda não consigo perceber bem, porque é que se diz que o atletismo é uma modalidade e não um desporto. Porque é que o atletismo não tem tanta atenção cá em Portugal. Mas isso é no âmbito do desporto, fora isso, para mim, está tudo bem”, avaliou.

O triplista compara a realidade lusa com a espanhola, onde “o futebol tem tanto reconhecimento como em Portugal”, lamentando a falta de notoriedade do atletismo, modalidade que assegurou o pleno dos cinco títulos olímpicos conquistados pelo país, por Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Nelson Évora e, agora, Pichardo.

“Sais de Portugal e o atletismo tem outra notoriedade, acho que tem a ver com a cultura desportiva. Em Portugal é difícil saber-se de atletismo. Eu recebo mensagens com pessoas a dizerem que eu faço salto em comprimento, nem sequer sabem o nome da prova que eu faço. Não sabem, mas, se perguntares algo sobre futebol, qualquer pessoa sabe dizer-te alguma coisa. Eu não sei nada de futebol, nem as posições... sei que o Cristiano Ronaldo é o melhor e o que é marcar golos. Pelo contrário, não conseguem especificar o que é atletismo. Acham que é só correr. É uma questão de cultura desportiva, que é sobre todo o desporto e não só sobre um, mas pronto”, desabafou.

Pichardo considera que “tudo começa com as entidades políticas, com os clubes, com as federações” e não descarta a responsabilidade de os atletas atingirem “bons resultados”, mas, por vezes, nem isso chega: “Às vezes pergunto-me, o que mais tenho de fazer para ser reconhecido. Já cheguei aqui, supostamente ao máximo nível do desporto, e então, o que tenho de fazer mais para ser reconhecido?”.

“Tem mais a ver com a cultura desportiva, que vai ser complicado mudar. Quando eu digo alguma coisa, ficam chateados comigo e dizem: ‘volta para Cuba’ ou ‘muda de desporto’. Não percebem o que quero dizer. Eu não quero que deixem de gostar de futebol, mas que dediquem 1% às outras modalidades. Acho que Portugal seria melhor em termos desportivos”, referiu.

E, nesse sentido, mesmo sentindo-se um privilegiado, Pichardo reivindica essa atenção para os atletas nacionais.

“Quando falo destas diferenças nem me refiro a mim, porque, graças a Deus, eu tenho uma boa vida, mas aos meus colegas. Alguns não conseguem viver com o que recebem por mês, outros têm de treinar e trabalhar, é complicado, mas não falo por mim, falo por eles”, assegurou, porque “quando o português ganha, o apoio chega logo”.

“Mas, antes da medalha e da conquista não temos apoio nenhum”, referiu.

E acentua a diferença relativamente ao futebol.

“Eu sinto-me um bocadinho discriminado no desporto, porque quando falas em atletismo é como se nada se passasse, mas, se jogares à bola no Benfica, mesmo com 15 ou 16 anos... Eu estou no Benfica, sou o Pichardo e tenho resultados, mas, ok, é atletismo. Se jogasse à bola, já me tinham comparado com o Cristiano Ronaldo. Também não quero que me comparem, mas é um exemplo”, referiu.

Além das condições e da atenção mediática, Pichardo assinala também a fraca presença de público nas competições nacionais.

“Há algum tempo já falei disso. Eu não gosto muito de competir cá, porque não há motivação. Vou a um campeonato nacional e tenho as bancadas vazias, estão os atletas, os colegas e os pais de alguns atletas, com entradas grátis e não há ninguém. Não há desculpa, não há outra desculpa que não a de não gostarem de atletismo. Eu já vi jogos de juniores e de sub-23 com bancadas cheias e é preciso pagar. O atletismo é grátis e está vazio, por vezes fico sem vontade de ir aos campeonatos nacionais. E eu não participo nos campeonatos, por causa disso. Chego lá com vontade de competir, peço umas palmas e não há ninguém. Quando saio, lá para fora, encontro 20 mil ou 25 mil pessoas num estádio, é diferente. É outro nível, que dá vontade e motivação de competir”, realçou.

O também vencedor da Liga de Diamante de 2021, repetindo o êxito de 2018, descarta o domínio dos ‘grandes’ de Lisboa pela ausência de espetadores.

“Se fosse pela rivalidade, alguns adeptos de Benfica e Sporting deviam estar lá. Eu acho que a rivalidade ajuda sempre, ainda não percebi qual é o problema”, referiu.

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