Os Jogos Olímpicos Tóquio2020 principiaram hoje com uma cerimónia de abertura contida, respeitando a ausência de público no evento e recordando as implicações negativas da pandemia da covid-19, que adiou o evento por um ano.

Sem a vida e o entusiasmo do público, nem o fulgor que se destacou nos espetáculos dos muitos Jogos que os precederam, os nipónicos optaram por uma cerimónia mais simbólica do que festiva: pela primeira vez na história, não vai haver público a assistir e rejubilar com os êxitos dos desportistas, desacompanhados como nunca.

Os atletas são a alma dos Jogos Olímpicos, porém neste ano e meio treinaram geralmente sozinhos, muitos deles em casa, longe do apoio e vibração dos adeptos, que exultam com as suas proezas antes do momento mais desejado, o maior acontecimento desportivo do planeta.

Correndo silenciosamente numa passadeira, um ponto minúsculo num grande estádio despido da emoção e encantamento do público, uma atleta simbolizou o sofrimento dos desportistas neste difícil período da história.

A honra de os representar coube à enfermeira e pugilista japonesa Arisa Tsubata, uma das últimas do seu país a conquistar o direito a participar no evento.

Um dos momentos mais introspetivos da noite aconteceu quando se homenagearam as vítimas da covid-19, bem como os olímpicos que morreram durante os Jogos, com uma menção específica aos membros da equipa de Israel assassinados em Munique1972, antes de segundos de silêncio.

O massacre de Munique saldou-se por 17 mortes, nomeadamente, cinco competidores e seis treinadores israelitas, um polícia alemão e cinco elementos do grupo terrorista Setembro Negro, que perpetrou o ataque.

O minimalismo da cerimónia, com mais mensagens subliminares às circunstâncias da atualidade do que a habitual pompa, surgiu igualmente na fugaz aparição, em vídeo, de António Guterres, secretário-geral da ONU, que 10 minutos antes do início da cerimónia endereçou uma mensagem de esperança e união, extensível ao planeta.

Os anéis olímpicos, cada um com quatro metros de diâmetro e feitos de madeira retirada de árvores plantadas por atletas dos Jogos de Tóquio1964, entraram no estádio, iluminados por lanternas de papel: quando se juntaram, o fogo de artificio brilhou no céu.

A organização de há quase 57 anos e o seu legado não foram esquecidos.

O digital surgiu amiúde em projeções no relvado, protegido por imensa tela branca, pela qual antigos e recentes campeões olímpicos pelo Japão transportaram a bandeira do país, ao que se seguiu o hino japonês, entoado por uma solista local.

Antes disso, já tinha passado um vídeo retrospetivo, com início em 2013, quando Tóquio conquistou o direito a organizar os XXXII Jogos Olímpicos, seguindo-se um filme sobre a mutação da vida dos atletas, de diversas modalidades, até à atualidade.

À cerimónia não faltaram o presidente do Comité Olímpico Internacional, o alemão Thomas Bach, bem como o anfitrião, o imperador Naruhito, a quem coube a curta declaração de abertura oficial dos Jogos Olímpicos.

Thomas Bach destacou a “perseverança” do povo japonês na determinação em “ultrapassar as dificuldades”, incluindo as pandémicas que puseram em causa a realização dos Jogos, e elogiou os atletas: “Inspiraram-nos a lutar como vocês, por vocês”.

“Precisamos todos de mais solidariedade entre sociedades e dentro destas. E isso significa muito mais do que simplesmente respeito e não discriminação. Solidariedade é ajudar, partilha, cuidar”, completou, deixando ainda uma palavra especial para a equipa de refugiados, que partilha "o mesmo teto" de todas as outras nações.

Já Seiko Hashimoto, a presidente do comité organizador, teve um discurso baseado na "unidade na diversidade" e no desígnio global das sociedades "avançarem juntas" em tempos de pandemia.

A anteceder o longo desfile, boa parte das cerca de três horas e meia da cerimónia, o professor Muhammad Yunus, economista do Bangladesh conhecido como banqueiro dos pobres, prémio Nobel da Paz, foi reconhecido com o Laurel Olímpico pelo seu trabalho com as comunidades desfavorecidas.

A seguir à tradicional entrada da missão da Grécia, berço dos Jogos Olímpicos antigos e modernos, desfilou a equipa de refugiados, que integrava o velocista congolês Dorian Keletela, acolhido em Portugal.

Portugal avançou para o palco com 17 dos 92 apurados, com os animados porta-estandartes a serem o campeão olímpico do triplo salto em Pequim2008, Nélson Évora, e a judoca medalha de bronze no Rio2016, Telma Monteiro, em mais um tributo à igualdade de género.

De todas as 205 representações olímpicas, a do Quirgistão foi a única que não desfilou com máscara.

O ministro da Educação, que tutela a pasta do desporto, Tiago Brandão Rodrigues esteve entre os cerca de 160 convidados de todo o mundo, incluindo vários chefes de Estado e de governo e líderes de organismos internacionais.

Os escândalos sucessivos com a organização japonesa, que ao longo do tempo levaram à demissão de diversos altos responsáveis de Tóquio2020, o último dos quais na quinta-feira, o diretor de cerimónia de abertura, por comentários antissemitistas, tem, igualmente, ensombrado os Jogos Olímpicos.

Também por isso, boa parte da população nipónica está contra a sua realização, até porque a capital vive atualmente o seu quarto estado de emergência devido à pandemia de covid-19, o que também aconselhou uma noite desprovida do ritmo, cor e exaltação, que são imagem de marca desta celebração

Depois da chama olímpica ter sido acesa pela tenista Naomi Osaka, a partir de sábado, cerca de 11.000 atletas vão disputar 339 títulos olímpicos em 33 modalidades.

Perto do fim, e antes de ensaiar o tema “Imagine”, de John Lennon, ao lema olímpico "mais rápido, mais alto, mais forte” foi acrescentada a palavra “juntos”.

Entre atletas e representantes das várias missões, estiveram na cerimónia 6.000 elementos, aos quais se juntaram mais 900 parceiros e convidados e 7.000 profissionais que levaram o acontecimento noticioso a todo o planeta.

*Rui Barbosa Batista, enviado da agência Lusa.