Desportivismo, solidariedade, inspiração, coragem, performance. São apenas alguns dos valores que, ao longo das 31 edições já realizadas dos Jogos Olímpicos da Era moderna, ficaram bem patentes em inúmeros momentos eternizados na História das olimpíadas.

Momentos que resumem o que é o espírito olímpico e que ficarão para sempre gravados na memória daqueles a que eles assistiram e no imaginário de quem as ouviu contar. Entre muitas, o SAPO Desporto selecionou dez para recordar.

O nadador que nunca tinha visto uma piscina olímpica

Eric Moussambani tornou-se numa figura de culto a nível global depois de nadar uma eliminatória dos 100 metros livres a solo nos Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000, a um ritmo tão lento que houve quem pensasse que ia acabar por se afogar.

Moussambani foi o primeiro nadador de sempre da Guiné Equatorial a competir nuns Jogos Olímpicos e foi colocado numa eliminatória à parte, com outros beneficiários do programa olímpico para encorajar o desenvolvimento do desporto. Os outros dois participantes, contudo, do Tajiquistão e do Níger, foram desqualificados por faltas partidas e Moussambani nadou sozinho.

Até nem começou mal, mas aos poucos o cansaço foi dando conta de si. A muito custo, e com os 17 mil espectadores presentes no centro aquático olímpico a puxarem por ele, Moussambani acabou a prova em 1min 52.72seg. No mesmo dia, o holandês Pieter van den Hoogenband, que viria a ganhar o ouro, estabeleceria um novo recorde do mundo da distância, com 47.84seg. Mas Moussambani deixou a sua marca, ganhou a alcunha de 'Enguia Eric' e chegou até a conquistar alguns patrocínios. Nada mau para que, como viria a confessar depois, só aprendera a nada poucos anos antes e nunca até chegar a Sidney tinha estado numa piscina olímpica (50 metros).

O salto em altura 'reinventado'

Poucos momentos terão revolucionado tanto um desporto como este. Foi na final do Salto em Altura dos Jogos Olímpicos de 1968, no México. Até aí, os saltadores em altura, por norma, saltavam sobre a fasquia usando a técnica do rolamento ventral, 'mergulhando' de frente. Mas tudo mudou quando Dick Fosbury introduziu ao mundo uma nova técnica, que acabaria por ganhar o seu nome e durar até aos dias de hoje: a técnica "Fosbury Flop".

Deixando tudo e todos de boca aberta ao saltar com as costas viradas para a fasquia, Dick Fosbury, então com 20 anos, acabaria por conquistar a medalha de ouro. Foi a única medalha de ouro olímpica que conquistou, não voltou sequer a superar na sua carreira os 2,24 metros com que se sagrou campeão olímpico no México e nem sequer se qualificou para para os Jogos Olímpicos seguintes, em Munique. Fosbury pode ter sido um epifenómeno, mas na história da evolução do atletismo tem um dos papéis mais importantes.

Uma maratona olímpica ganha com os pés descalços

Correr 42,195 quilómetros não é para todos, mas em 1960, nos Jogos Olímpicos de Roma, o etíope Abebe Bikila fê-lo...descalço. E ganhou, num tempo então recorde de 2h15m16s, tornando-se no primeiro atleta africano a conquistar uma medalha de ouro olímpica.

A história é simples, e Bikila nem tinha chegado a Roma com a intenção de correr descalço. Chamado à última hora para participar na maratona desses Jogos Olímpicos, comprou sapatilhas novas para usar na prova, mas não se adaptou e estas faziam-lhe bolhas nos pés. Então, decidiu correr descalço. Contou, depois, que com receio de ser visto como o pobre africano sem dinheiro para ténis, foi um dos últimos a apresentar-se no ponto de partida, na Piazza di Campidoglio.

Mas, à medida que foi ficando sozinho na frente, não havia como passar despercebido. Quatro anos depois, em Tóquio, tornou-se no primeiro atleta a vencer duas maratonas olimpíadas consecutivas. Ao cruzar a linha de meta no Estádio Olímpico da capital japonesa, dessa feita calçado, o etíope voltou a impressionar: começou a fazer flexões e abdominais enquanto os demais atletas iam chegando, exaustos.

'Dream Team' deslumbra em Barcelona

Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, Charles Barkley, Karl Malone, John Stockton, Patrick Ewing, David Robinson, Clyde Drexler, Scottie Pippen, Chris Mullin e Christian Laettner. Eram eles que compunham a 'Equipa de Sonho' que encantaria tudo e todos em Barcelona'92 levando os EUA, tranquilamente, ao ouro.

Os EUA tinham falhado o ouro em 1988, em SEUL, mas tudo seria bem diferente quatro anos depois. A história começou a escrever-se em 1989, quando a Federação Internacional de Basquetebol aprovou a entrada de jogadores profissionais (leia-se NBA) nas suas competições, algo que até aí não era possível. Ficou, assim, aberto o caminho para o surgimento daquela que é vista como a maior equipa de todos os tempos da modalidade.

Em Barcelona, os astros da NBA foram um 'show' à parte. Hospedados num hotel de luxo fora da Aldeia Olímpica, tiveram de ter segurança privada porque todos queriam tirar fotos com eles e pedir-lhes autógrafos. Como Chuck Daly, o treinador, referiu, era como reunir The Beatles e Elvis Presley no mesmo palco. Dentro de campo, o 'Dream Team' não deu hipóteses, vencendo todas as suas partidas com uma diferença de, no mínimo, 32 pontos.

Abdicar do ouro para salvar dois adversários e conquistar a mais importante das medalhas

"A primeira regra da Vela é: se vemos alguém em dificuldades, ajudamos", afirmou Lawrence Lemieux após protagonizar um dos momentos de maior altruísmo e desportivismo da história dos Jogos Olímpicos.

A lutar pelo ouro (seguia no 2.º lugar) na classe Finn nos Jogos Olímpicos de 1988, em Seul, Lemieux abandonou temporariamente a prova para socorrer dois velejadores de um barco de outra classe que tinham caído ao mar e, atingidos pelo barco, estavam feridos e à deriva no mar agitado. Desviou-se da sua rota para ajudar os náufragos, retirou-os da água, esperou pela chegada do barco de auxílio e só depois voltou então à prova.

Não chegou ao ouro, à prata ou ao bronze, mas acabou por receber pelo seu ato a Medalha Pierre de Coubertin, concedida pelo Comité Olímpico Internacional a atletas e pessoas envolvidas no desporto que demonstrem um elevado grau de desportivismo e espírito olímpico.

Nigéria conquista o Torneio Olímpico de Futebol

O torneio olímpico de futebol dos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, contou estrelas como o 'fenómeno' Ronaldo, Raúl González ou Hernan Crespo (algo que parece impossível de voltar a acontecer nos dias de hoje). Porém, não seria nem o Brasil, nem a Espanha nem a Argentina, nem Portugal (que também marcou presença) a chegarem ao Ouro. Este acabaria por sorrir à Nigéria, que de forma brilhante surpreendeu o mundo, tornou-se no primeiro país africano a conquistar o ouro numa modalidade coletiva.

Com inúmeros jogadores de qualidade que já brilhavam na Europa, como Amunike, Okocha, Oliseh, Amokachi, Taribo West ou Nwankwo Kanu, mas com um futebol bem à imagem do futebol africano, a Nigéria não só uniu todo o continente à sua volta, como conquistou o coração dos amantes do futebol, provando que era possível para um país de África fazer frente às grandes potências do futebol.

Na memória e no imaginário de todos os que a ela assistiram fica a meia-final, frente a um Brasil onde pontificavam Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos ou Bebeto, que os nigerianos acabaram por vencer por 4-3, com Kanu a levar o jogo para prolongamento ao fazer o 3-3 em cima do minuto 90 e, depois, a marcar o Golo de Ouro que valeu a passagem à final. E, na final, mais espetáculo. Frente a uma Argentina apontada como favorita (com Ariel Ortega, Crespo, Cláudio López ou Javier Zanetti) a Nigéria perdia por 2-1 aos 74 minutos, mas houve tempo para Amokachi empatar e para Amunike (que na altura jogava no Sporting) marcar o golo da vitória. Fazia-se História!

Phelps ganha oito medalhas de ouro em oito dias

'O Fenómeno', a 'Bala de Baltimore'. São apenas duas das alcunhas que Michael Phelps, o melhor atleta olímpico da História (pelo menos o mais medalhado) foi ganhando.

E foi em 2008, em Pequim, que o nadador norte-americano ascendeu definitivamente ao estatuto de lenda com um feito que muitos considerariam impossível: foram oito (!!!) medalhas de ouro conquistadas numa só edição de uns Jogos Olímpicos (em oito dias, para ser mais preciso), quebrando dessa forma o recorde de sete medalhas de outro nadador norte-americano, Mark Spitz.

Já com seis 'ouros' ao peito trazidos de Atenas'2004, em Pequim Phelps sagrou-se campeão olímpico dos 200 metros livres, 100 e 200 metros mariposa, 400 e 800 metros estilos, estafeta dos 400 e 800 metros livres e estafeta dos 400 metros estilos. Em sete desses oito títulos com recordes mundiais, no outro com recorde olímpico. Depois, claro, entre 2012 e 2016, mais oito medalhas de ouro!

A impressionante determinação da maratonista Gabriela Andersen-Schiess

A maratona feminina estreou-se nos Jogos Olímpicos em 1984. Foi corrida num dia de muito calor em Los Angeles,, com a temperatura a rondar os 32° graus e nela participaram 50 atletas. E uma imagem ficaria gravada para sempre na História das Olimpíadas. Não a da vencedora (a norte-americana Joan Benoit Samuelson), mas a da 37ª classificada a entrar no estádio a cambalear.

As medalhas estavam entregues, mas a suíça Gabrielle Andersen, mesmo cansada e tomada pelas dores e pelas cãibras, mal conseguindo manter-se em pé, não desistiu, ovacionada pelo público, a aplaudir o seu esforço titânico. Mal entrou no estádio, antes de cortar a meta, os organizadores quiseram prestar-lhe assistência médica, mas ela recusou, sabendo que se aceitasse seria desqualificada.

O que se seguiu foram alguns dos minutos mais comoventes da história da maratona e dos Jogos Olímpicos, com os paramédicos a seguirem a atleta ao lado da pista. Cruzar a linha de meta era o seu sonho e concretizou-o. Mal o fez, tombou, sendo de pronto erguida pelos organizadores. As imagens falam por si...

A perfeição existe

A empresa suíça Omega era a responsável pelos marcadores electrónicos dos eventos Olímpicos. Antes dos Jogos de 1976 um responsável da empresa contactou o Comité Olímpico Internacional com uma questão pertinente em relação aos quadros que iam produzir para a ginástica: Não seria melhor substituir os tradicionais quadros, que só tinham espaço para três dígitos, como 9.50, ou 9.85, por outros que suportassem quatro dígitos, como 10.00? A resposta foi que um 10, em ginástica, era "impossível".

Mas, a 18 de julho, no segundo dia dos Jogos de Montreal, uma jovem ginasta de 14 anos ia provar o contrário e mostrar que, afinal, a perfeição existia. Nadia Comaneci, nas barras paralelas, não cometeu um único erro e os juízes foram unânimes: surgia o primeiro 10.00 olímpico na ginástica. Ou um 1.00 'perfeito', visto que os marcadores eletrónicos não aceitavam os quatro dígitos.

Ao todo, na sua carreira olímpica, Comaneci acabou por somar sete notas perfeitas.

Uma lição de resiliência e do amor de um pai por um filho

O britânico Derek Redmond tinha um histórico de lesões na sua carreira, mas desistir era uma palavra que não fazia parte do seu dicionário. Depois de muitas oportunidades perdidas, conseguiu apresentar-se nos Jogos Olímpicos de 1992, em Barcelona, e até era visto como um dos favoritos às medalhas nos 400 metros.

Só que por volta dos 150 metros da sua corrida das meias-finais sofreu um estiramento muscular na coxa. Mas recusou desistir. Faltavam 250 metros e, em lágrimas mas com uma determinação quase sobre-humana, continuou a dar a volta à pista com uma expressão de dor agoniante no rosto, rumo à meta.

O seu pai, Jim, estava a assistir à prova na bancada e não aguentou ver a agonia do filho. À entrada para os 100 metros finais saltou por cima dos seguranças e entrou na pista para amparar o seu filho e ajudá-lo a completar a volta à pista, cruzar os 400 metros e completar a prova, desclassificado, claro, mas debaixo de uma enorme ovação de um estádio olímpico completamente cheio.