Corridas intensas. Batalhas épicas. Toques, acidentes, polémica. O bate-boca final. Em 2021 a Fórmula 1 deu-nos uma das melhores temporadas de sempre das suas 73 edições, graças a batalha entre Lewis Hamilton, da Mercedes, e Max Verstappen, da Red Bull, pelo título.

Uma luta intensa, titânica, dentro e fora de pista, que voltou a colocar a modalidade nos píncaros. No final sorriu o neerlandês com o seu primeiro título, num campeonato decidido nas últimas curvas do derradeiro Grande Prémio. Para lá das polémicas decisões dos comissários de corrida, fica o encerrar de um campeonato intenso, com uma ponta final digna de um filme de suspense.

Depois das batalhas entre Alain Prost e Ayrton Senna, Michael Schumacher e Damon Hill, James Hunt e Niki Lauda, Lewis e Max ganharam o direito de entrar para a galeria das maiores rivalidades de sempre da Fórmula 1, num ano em que a Red Bull conseguiu finalmente igualar a Mercedes. Dominadora implacável na era híbrida, com todos os títulos de construtores (8 consecutivos), poucas tinham sido as vezes em que a marca alemã tinha visto o seu domínio colocado em causa.

Na era híbrida (desde 2014), Hamilton só não ganhou duas vezes: quando perdeu para o seu colega de equipa, Nico Rosberg - o último a desafiar e a derrubar o seu reinado - e agora, em 2021, para Max Verstappen.

Galeria: Hamilton vs Verstappen

'Mad' Max vs Sir Lewis Hamilton: como tudo começou

"Pilotos-proveta". É desta forma que João Carlos Costa, analista e comentador de desportos motorizados,  define Lewis Hamilton e Max Verstappen, apesar dos 12 anos que os separam.

"São dois pilotos distintos e, mesmo com uma década de distância, são pilotos proveta, formatados para serem campeões desde miúdos. Cedo tiveram apoio de marcas e equipas […]. São antípodas, em termos de caráter, de estar na pista. Max continuará a ser agressivo, às vezes a ir para lá do limite do aceitável, apesar de este ano ter estado poucas vezes nessa linha ténue que faz essa diferença. O Hamilton é um piloto cada vez mais calculista, mais sapiente, com mais capacidade de gestão", explica João Carlos Costa ao SAPO Desporto.

"Max continua a ver as corridas para ganhar, embora este ano tenha pensado nos pontos em muitas provas, algo que não pensaria no passado. Está cada vez mais regular, a fazer menos erros. Mantém a mesma velocidade, ímpar, há poucos que o igualam. E isso ofereceu-nos um campeonato singular, de bom", destaca.

A rivalidade entre Verstappen e Hamilton começou assim que o precoce neerlandês chegou à Fórmula 1, em 2015. Logo nos primeiros momentos, ficou no ar a ideia de que a estrela emergente estava para bater de frente com o mais consagrado piloto da atualidade do grande circo.

Verstappen não se mostrou nada intimidado com Hamilton. "Dêem-me o seu carro e logo veremos [quem é o melhor piloto]", atirou, aos 17 anos, ainda na Toro Rosso. A mudança para a Red Bull colocou 'Mad' Max numa equipa capaz de lhe dar condições para terminar com o domínio do piloto britânico na era híbrida.

E desde cedo mostrou que estava na Fórmula 1 para deixar a sua marca. Sempre muito agressivo, às vezes para lá do permitido, Max tratou de mostrar a Hamilton ao que vinha, como fez na Malásia, em 2017, quando passou pelo britânico para vencer. Ou o toque entre ambos no Bahrein em 2018, que resultou num furo do jovem neerlandês que teve de abandonar. Max atirou o carro para tentar ganhar posição, Hamilton não cedeu e os dois tocaram-se. Antes do pódio e enquanto via as imagens do incidente, Hamilton atacou: "Que anormal!" Dias depois, acusaria o neerlandês de "falta de maturidade".

"É fácil acusar o piloto mais jovem", respondeu Verstappen, dizendo "não ter feito nada de errado".

Os dois tentaram colocar um pouco de 'água na fervura'. "Tenho um grande respeito por Max, ele tem potencial para ser campeão. Mas já estive no lugar dele, mesmo sendo um pouco mais velho, e essa pressão é um verdadeiro momento de aprendizagem, para se estar numa equipa de alto nível", atirou o inglês.

Lewis é muito bom, certamente um dos melhores. Mas ele não é Deus. Talvez Deus esteja com ele, mas ele não é Deus

"Não importa se é culpa dele ou minha, é passado", disse Verstappen, selando o que parecia ser a reconciliação.

A rivalidade continuou a ser construída em pista, como se viu nos choques entre ambos em 2019, no Mónaco, Hungaroring e Interlagos.

Na Fórmula 1, só Verstappen parecia ter armas para travar o domínio de Lewis Hamilton. Antes do arranque de 2020, ano em que Lewis igualou o recorde de sete títulos de Michael Schumacher, Max fez questão de lembrar que o britânico não era invencível.

"Lewis é muito bom, certamente um dos melhores. Mas ele não é Deus. Talvez Deus esteja com ele, mas ele não é Deus", atirou 'Mad' Max.

O choque geracional entre os dois é sinal de que podemos estar perante uma passagem de testemunho. Hamilton é uma lenda na Fórmula 1 e um dos melhores pilotos de sempre. O britânico ostenta os recordes de mais títulos (sete, em igualdade com Michael Schumacher), mais vitórias em 71 anos de história da F1 (103 triunfos), mais 'pole positions' (103) e mais voltas na liderança de GP´s (5396), entre muitos outros registos.

Apesar de o primeiro título apenas ter chegado sete anos após a estreia na Fórmula 1, Max já deixou a sua marca na prova rainha do automobilismo pela precocidade. Ostenta os títulos de mais jovem a testar um carro de Fórmula 1, com 17 anos e 2 dias; de piloto mais jovem da história da categoria, ao estrear-se com apenas 17 anos e 166 dias; de mais jovem a pontuar numa corrida, com 17 anos e 180 dias, no GP da Malásia de 2015; de piloto mais jovem a conseguir um pódio, com 18 anos e 228 dias; de piloto mais jovem a conseguir uma vitória, com 18 anos e 228 dias; de mais jovem a conseguir uma volta rápida, com 19 anos e 44 dias; e ainda o de piloto com o maior número de pódios numa temporada: 18 em 2021.

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A história de Max Verstappen na Fórmula 1 estará sempre ligada a Lewis Hamilton. Foi um choque entre o britânico e o seu ex-colega Nico Rosberg que permitiu a Max ganhar a sua primeira corrida na F1, no Grande Prémio da Catalunha, a 15 de maio de 2016, no seu primeiro ano na Red Bull.

Se Hamilton quase se sagrou campeão logo no seu ano de estreia na Fórmula 1 pela McLaren Mercedes, Verstappen teve de esperar muito para, por exemplo, partir do primeiro lugar da grelha. A sua primeira 'pole' só foi conseguida em 2019, no GP da Hungria, aos 21 anos, onde se tornou no 100.º piloto a conquistar o primeiro lugar da grelha de partida, em mais de mil grandes prémios.

A cordialidade e respeito dos anos anteriores entre Lewis e Max deu lugar a uma relação fria em 2021. A imagem de Hamilton a dar os parabéns a Verstappen pelo título na entrevista pós-corrida, na última prova do ano, foi uma forma de o britânico acalmar os ânimos que, dentro de pistas, estiveram bem quentes.

Com os dois a partilharem o pódio na maior parte das 22 corridas de 2021, as celebrações tornaram-se bizarras, com o terceiro piloto do pódio a ver. Tanto Max como Lewis já deixaram o pódio mais cedo, logo após a abertura do champanhe, visivelmente incomodados com a situação e com as celebrações. O atirar champanhe para o adversário deixou de existir entre ambos.

Foi no GP de Inglaterra que as coisas 'aqueceram' entre os dois, sempre com os chefes de equipa a meter mais 'lenha na fogueira'.

Lançado contra um muro em Silverstone pelo seu adversário, Verstappen reagiu, furioso, do hospital, onde passou por um exame de rotina, após a vitória de Hamilton. Para Max, a manobra do inglês tinha sido "perigosa" e a comemoração de Lewis no pódio diante do seu público foi "desrespeitosa e antidesportiva".

Hamilton respondeu-lhe que não tinha "motivo nenhum para se desculpar". "Max é um dos pilotos mais agressivos do Mundial", recordou.

GP de Itália
Uma das imagens do ano: o aparatoso acidente entre Verstappen e Hamilton no GP de Itália em Fórmula 1 créditos: @ANDREJ ISAKOVIC / AFP)

A tensão entre ambos era visível até nos treinos, como aconteceu nos EUA. 'Mad' Max chamou "estúpido idiota" a Hamilton, acompanhado de um gesto obsceno com o dedo do meio para o rival, quando este o ultrapassou numa reta.

Sempre mais calmo, Hamilton tentou colocar a pressão do título em Max antes do GP da Arábia Saudita: "Não é a primeira vez [que luto pelo título]. Lembro-me do meu primeiro campeonato e até do segundo e terceiro, das noites sem dormir e todas essas coisas, enquanto agora estou muito mais seguro de mim mesmo", comentou.

Max respondeu que não havia pressão nenhuma por estar a lutar pelo seu primeiro título: "No final, não importa se lutas contra alguém da tua idade ou contra um campeão mundial, já que ambos são grandes pilotos", atirou, antes de dar uma 'alfinetada'.

"Alguns pilotos podem ter tido um pouco mais de sorte que os outros, a conduzir com um bom carro há muito tempo, mas isso não diminui em nada o facto de que são grandes pilotos".

Óscar Góis foi um dos espectadores atentos desta batalha. A voz da narração dos Grandes Prémios de Fórmula 1 em Portugal nos últimos anos, na Eleven, vê dois pilotos em momentos distintos, mas com o mesmo desejo: vencer

"Lewis e Max estão em fases diferentes da vida e da carreira. O Lewis está numa fase em que gosta de ficar no seu espaço, com o Coco e a Angela. Mas continua muito focado na sua preparação física e no que é o trabalho em pista e fora dela. Mas é o piloto genial que pode chegar ao circuito a meio de tarde de quinta-feira, conceder duas entrevistas e à sexta-feira, sentado no carro, é um dos melhores. Além disso, sabemos que quando Lewis se sente posto em causa é quando desperta o leão interior.

Max está numa fase em que, pela primeira vez, lutou por um mundial de F1 do princípio ao fim. Em que conquistou poles e vitórias. Em que finalmente sentia que o investimento que a Red Bull fez em 2016 começava a pagar dividendos. Além disso tem a relação com a Kelly Piquet, está num momento de forma muito bom, dentro e fora de pista. Mostrou que valeu o investimento de cinco temporadas da Red Bull", detalhou ao SAPO Desporto.

Max Verstappen: um filho da velocidade

Max Verstappen nasceu para a velocidade. Filho de Jos Verstappen, piloto neerlandês de maior sucesso na Fórmula 1 (disputou 107 corridas entre 1994 e 2003 na Fórmula 1, com dois pódios no primeiro ano), até aparecer o filho, e da belga Sophie Kumpen, uma piloto de karting, Max foi crescendo entre corridas e pilotos, preparando-se para o grande circo.

Começou nos karts aos quatro anos, sagrou-se campeão do Mundo nesta modalidade aos 15. Experimentou um carro de Fórmula 1 aos 16 e tornou-se no mais jovem piloto a entrar na prova rainha, muito antes de ter carta de condução. Nascido na Bélgica a 30 de setembro de 1997 e residente de longa data em Mónaco, Max tornou-se no quarto campeão mais jovem de sempre da Fórmula 1, aos 24 anos, 2 meses e 12 dias, atrás de Sebastien Vettel, Lewis Hamilton e Fernando Alonso.

Max continuará a ser agressivo, às vezes a ir para lá do limite do aceitável, apesar de este ano ter estado poucas vezes nessa linha ténue que faz essa diferença

A relação dura com o pai é um dos segredos mais mal-escondidos do paddock, e o próprio Max recordou, em 2019, à margem do GP da Rússia de Fórmula 1, um episódio em que Jos Verstappen o abandonou numa bomba de gasolina, em Itália, depois de se ter despistado numa corrida "que deveria ter vencido facilmente", sendo que os dois estiveram a semana seguinte sem se falar. É precisamente devido a essa pressão familiar que Max Verstappen não encontrou "surpresas na Fórmula 1", pois não houve "ninguém mais duro" consigo do que o próprio pai.

Gerindo a carreira do filho com mão de ferro, Jos Verstappen guiou o jovem Max à Fórmula 1 através da Toro Rosso, a equipa satélite da Red Bull, em 2015, iniciando um trajeto em que quebrou vários recordes de precocidade da modalidade.

O seu crescimento dentro da Red Bull é visível. O seu caráter intrépido em pista que lhe valeu a alcunha de 'Mad Max' foi mudando aos poucos. Está menos temperamental, mais calculista, mais paciente. Pela primeira vez, a gigante austríaca, equipada com motores Honda, conseguiu dar-lhe um carro capaz de rivalizar em pista com Hamilton.

Max Verstappen testou um carro de Fórmula 1 aos 16 anos
Max Verstappen testou um carro de Fórmula 1 aos 16 anos créditos: Sander Koning

Continua muito agressivo, a dificultar a vida a toda a gente. Já não é tão insolente e impetuoso como nos primeiros anos quando, por exemplo, ameaçou e empurrou várias vezes Esteban Ocon nas boxes da sua equipa (na altura na Force India), depois de um toque entre ambos que lhe roubou a vitória no Brasil, em 2008. Ou o Max que ameaçou a imprensa após ser questionado pelos seus erros no GP do Canadá no mesmo ano.

O sucesso de Max Verstappen na Fórmula 1 foi sendo construído à base de vários incidentes, muitos deles provocados pela impetuosidade em pista.

Depois de dois terceiros lugares no campeonato, em 2019 e 2020 (o melhor resultado possível atrás da dominadora Mercedes), ‘Mad’ Max parece ter deixado para trás a vertente mais emotiva e, pela primeira vez, discutiu verdadeiramente o campeonato, revelando, aos 24 anos, uma maturidade conferida pelas sete temporadas que já leva no Grande Circo.

Fora de pista, Max vive também dias felizes. Namora com a brasileira Kelly Piquet, filha de Nelson Piquet, tricampeão Mundial de Fórmula 1.

Nos Países Baixos, tornou-se numa figura de culto, "tão popular quanto Johan Cruyff e Marco van Basten", assegura Erik van Haren, que cobre a Fórmula 1 para o jornal 'De Telegraaf'.

Agora, segue-se o número 1 no monolugar do próximo ano, a que tem direito como campeão, e que já anunciou que vai usar, até porque "é bom para o negócio". Essa é outra vertente da vida do piloto holandês, que tem atrás de si uma máquina de fazer dinheiro. Desde logo, através da agência de viagens Max Verstappen Official Travel, que transporta os fãs do corredor da Reb Bull a todos os Grandes Prémios, onde têm uma bancada reservada. No dia das corridas os seus fervorosos apoiantes formam um 'mar' laranja nas bancadas, dando vida e cor às provas.

Aos 24 anos, Max tem tudo para continuar a fazer história.

Negro e pobre. A F1 não era para ele, mas Hamilton quebrou barreiras até transformar-se em lenda

Se Max nasceu para a Fórmula 1, Hamilton teve de construir o seu próprio caminho. Aos 36 anos, parece estar em 'ponto-rebuçado', como mostrou na ponta final de 2021. Só o acidente de Latifi no último GP impediu-o de se tornar no piloto com mais títulos de sempre na Fórmula 1. Para já, está empatado com Michael Schumacher, outra lenda da modalidade. Hamilton venceu o Mundial em 2008 pela McLaren e em, 2014, 2015 e nas últimas quatro temporadas (2017, 2018, 2019 e 2020), todos pela a Mercedes, todos na era híbrida da Fórmula 1.

Lewis Carl Davidson Hamilton nasceu na cidade inglesa de Stevenage, a 50 quilómetros de Londres, 7 de janeiro de 1985. Chegou onde chegou graças ao seu pai Anthony, um homem que chegou à Londres vindo das Caraíbas nos anos 50.

A sua trajetória na velocidade começou quando ganhou um kart de presente pelo Natal. O seu talento era inquestionável e o pai fez de tudo para que o filho não desistisse. Anthony chegou a ter três trabalhos para poder ter condições para ajudar Hamilton na sua paixão. Aos fins de semana, ia como o pequeno Lewis às corridas pelos circuitos no Reino Unido. Eram tempos difíceis.

ewis Hamilton
Em 2006, Lewis Hamilton chega a Fórmula 1 pelas mãos da McLaren Mercedes onde fez dupla com Fernando Alonso. créditos: @AFP PHOTO/CESAR RANGEL (Photo by CESAR RANGEL / AFP)

"Éramos a família negra mal-amanhada: tínhamos o equipamento de porcaria, o kart de porcaria e a caravana de porcaria", recordou Hamilton, numa entrevista à revista 'Time'.

Além da pobreza, Hamilton teve de lidar com o racismo, ainda em idade precoce. Ter um negro a vencer provas de automobilismo era algo nunca visto. "Não és suficientemente bom, devias desistir", era uma de muitas 'bocas' que tinha de ouvir dos pais dos outros pilotos.

O pai foi seu manager até 2010, quando Hamilton prescindiu de Anthony. Uma decisão difícil, que até hoje o piloto está a assimilar. A relação entre ambos nunca mais foi a mesma, mas Hamilton tem tentado que tudo volte a ser como dantes com o pai.

Hamilton iniciou-se nos karts, com apenas oito anos, em 1993. Em 1995 já era campeão britânico e, por essa altura, cruzou-se com Ron Dennis, o patrão da McLaren, ao qual disse, aproveitando um pedido de autógrafo, que, "um dia", queria conduzir os seus carros. Ao lado do 'rabisco', Ron Dennis escreveu: "Telefona-me dentro de nove anos. Veremos algo então".

O talento de Hamilton continuou a revelar-se a toda a velocidade, tanto que, com 12 anos, uma casa de apostas ‘oferecia' já ‘odds' de 40/1 para a sua primeira vitória na Fórmula 1 antes dos 23 anos e de 150/1 para o seu primeiro título até aos 25 anos.

A conversa telefónica com Ron Dennis aconteceu em 1998, seis anos antes do ‘previsto', e foi o 'patrão' da McLaren a ligar ao jovem piloto, que somava vitórias atrás de vitórias, para o contratar para o programa juvenil da McLaren-Mercedes. Hamilton progrediu para os monolugares da Fórmula Renault series em 2002, um campeonato que ganhou no seu segundo ano. Logo na época a seguir, em 2004, passou para a Formula 3 Euroseries e, de novo ao segundo ano, ergueu o troféu. Seguiu-se a GP2 Series, campeonato que ganhou logo na época de estreia, em 2006.

FOTOS: Alguns momentos marcantes da carreira de Hamilton na Fórmula 1

O seu ingresso na Fórmula 1 aconteceu em 2007, para fazer equipa na McLaren com o então bicampeão em título, o espanhol Fernando Alonso. A primeira época foi de estrondo: terminou no pódio nas primeiras nove corridas da temporada, incluindo dois segundos lugares e duas vitórias: a primeira da carreira no GP do Canadá e a segunda no dos Estados Unidos. Com 22 anos, liderava o campeonato e os adeptos britânicos já sonhavam com o 'impensável': o título de campeão no ano de estreia. E foi por muito pouco que não aconteceu.

Chegou à última corrida do ano, no Brasil, com quatro pontos de vantagem sobre Alonso e sete sobre Räikkönen (Ferrari) na classificação. Partiu na liderança em Interlagos, mas um problema mecânico fez com que perdesse o título por um ponto para o finlandês da Ferrari.

Até hoje é o piloto que mais pontos somou em época de estreia (109) e o que mais vitórias alcançou (quatro), recorde que partilha com o canadiano Jacques Villeneuve, sendo ainda o mais jovem líder do Mundial, com 22 anos e 126 dias.

O único piloto negro na Fórmula tem lutado contra o racismo dentro do desporto, mas também contra a discriminação, repressão policial e desigualdade social.

Éramos a família negra mal-amanhada: tínhamos o equipamento de porcaria, o kart de porcaria e a caravana de porcaria

Homem de causas, Lewis Hamilton tornou-se vegan e tem lutado por um planeta melhor. É dono de uma cadeia de restaurantes de hamburgers vegetarianos e tem tentado reduzir o impacto da Fórmula 1 sobre o meio-ambiente em conversas com outros pilotos e com os responsáveis da prova.

Hamilton é dos pilotos com mais carisma no ‘paddock', uma verdadeira estrela dentro do Grande Circo.  Além dos dotes ao volante, tem mantido uma atividade permanente nas páginas do entretenimento, muito por culpa dos relacionamentos mais ou menos conhecidos, em que são exemplos as cantoras Nicole Scherzinger e Nicky Minaj.

O seu estrelato continua nas redes sociais, onde soma milhões e milhões de seguidores; 5,9 milhões no Facebook, 6,9 milhões no Twitter e 26,5 milhões no Instagram. Usa esse público para falar sobre as suas causas: ecologia, direitos dos animais, veganismo, racismo e diversidade.

Sempre muito ativo nas redes sociais, abandonou todas as suas páginas desde o último Grande Prémio da temporada. Ninguém sabe dele.

Desde 15 de dezembro de 2021, ostenta o título de Sir, depois de ser ordenado cavaleiro pelo príncipe Carlos, de Inglaterra. Foi a sua última aparição pública.

Hamilton vs Verstappen: Sete capítulos de uma batalha como há muito não se via

O primeiro título da carreira de Max Verstappen chegou com contornos épicos, nas derradeiras curvas do Grande Prémio de Abu Dhabi, o último da temporada. O neerlandês chegou à úlima prova empatado na liderança de pilotos com Lewis Hamilton, mas, quando tudo indicava que o britânico ia conquistar o oitavo título da carreira, um acidente (de Latifi), a entrada do 'safety car' e a descoordenação da direção de corrida, mudaram o rumo dos acontecimentos.

Esta foi a última das muitas épicas batalhas entre o piloto da Red Bull e o da Mercedes na luta por um título que deixou os adeptos da Fórmula 1 colados ao ecrã.

1. Resposta de Verstappen sob a chuva em Imola (18 de abril)

Desde os treinos de pré-temporada que se avizinhava um duelo intenso e equilibrado entre a Mercedes a Red Bull. As previsões de luta entre Max Verstappen, principal piloto da marca austríaca, e Lewis Hamilton, o alvo a abater na Mercedes, confirmou-se logo no primeiro Grande Prémio, no Bahrein, no final de março.

Num duelo intenso, Verstappen teve de ceder a vitória a Hamilton após tê-lo ultrapassado fora dos limites da pista. Dececionado, o neerlandês respondeu na corrida seguinte, em Imola, onde sob forte chuva 'Mad Max' não hesitou em sair para lá dos limites de pista para depois chegar ao lado do britânico na primeira curva. Na chicane, ultrapassou Hamilton e nada pôde detê-lo até a vitória final.

2. Alta tensão em Silverstone (18 de julho)

Na décima corrida da época, Lewis Hamilton estava 'encostado às cordas', com 32 pontos de atraso para Verstappen.

A primeira volta foi de alta tensão entre os dois. Após várias tentativas para ganhar o lugar a 'Mad' Max, que partiu da 'pole', Hamilton ultrapassou o neerlandês na 9ª curva: o piloto da Red Bull ameaçou ir por fora, Hamilton tentou por dentro da curva que ele conhece tão bem. Verstappen não cedeu, os dois chocaram roda com roda. O piloto neerlandês saiu de pista a mais de 200 km por hora e bateu no muro de proteção, terminando ali a prova. Hamilton foi considerado culpado pelo toque, penalizado em dez segundos, mas isso não o impediu de triunfar em casa. No hospital, Max digeria com dificuldade a derrota, considerando que a punição foi branda. Hamilton entrava na luta pelo título e a rivalidade entre os dois, até então cordial, atingia uma nova dimensão.

3. Mar laranja em Zandvoort (5 de setembro)

Não foi a corrida mais emocionante, mas houve uma verdadeira festa popular nas bancadas, um sinal do fervor que Verstappen desperta no seu país. No primeiro Grande Prémio dos Países Baixos desde 1985, a famosa 'Orange Army' invadiu as bancadas do circuito, com capacidade para 70.000 espectadores. 'Max' conquistou a pole e venceu a corrida, algo que lhe permitiu reconquistar a liderança do Mundial, com três pontos de vantagem sobre Hamilton após 13 provas.

4. Tensão máxima em Monza (12 de setembro) 

Desde a primeira volta em Monza que se sentia a tensão no entre Hamilton e Verstappen. Na largada, os dois até chegaram a tocar-se, sem consequências de maior. Hamilton liderava à frente de Verstappen, Daniel Ricciardo (McLaren) era terceiro. Tudo se decidiria nas paragens para troca de pneus, com Hamilton a ir as boxes antes de Verstappen.

No regresso das boxes, no final da reta, os dois pilotos entraram ao mesmo tempo na chicane. Hamilton defendeu a sua posição e não deu espaço, Verstappen pisou os corretores, perdeu o controle do seu carro e voou por cima do adversário. Os dois terminaram fora da pista e tiveram que abandonar, sem lesões graves, apesar do aparato do acidente. A imagem de uma roda do carro de Max em cima do capacete de Lewis foi um dos momentos da época.

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5. Espetáculo de Hamilton no Brasil (14 de novembro)

Hamilton chegou ao Brasil sob pressão, 19 pontos atrás do seu rival. Vencer era a única opção e fê-lo com mestria, num fim de semana que tinha tudo para correr mal para o britânico. A FIA detetou uma irregularidade no DRS (sistema que permite à asa traseira ficar totalmente na horizontal nas retas de forma a aumentar a velocidade de ponta), do britânico e aplicou-lhe uma penalização que parecia ser o seu fim: largada do último lugar na corrida 'sprint'.

Com uma asa nova, Lewis encetou uma recuperação fantástica, ganhando 15 lugares nas 24 voltas. Mas como trocou de motor, foi penalizado em cinco lugares na grelha, pelo que tinha de largar do 10.º posto. Na corrida, o britânico 'voou' e à 19.ª volta, já era segundo, atrás de Verstappen. Na volta 48, tentou passar por Max por fora na curva 4, o holandês não tirou o pé e os dois acabaram fora dos limites da pista. Hamilton voltou a atacar na volta 59 e desta vez conseguiu ultrapassar o piloto da Red Bull para terminar com mais de 10 segundos de vantagem.

6. Caos em Jeddah (5 de dezembro)

Os treinos do Grande Prémio da Arábia Saudita foram dominados por Max Verstappen, a quem se dava favoritismo para conquistar a 'pole' num circuito novo, citadino, rápido e estreito, com poucos pontos de ultrapassagem. Na sua última tentativa e quando vinha a 'voar' com o melhor tempo nos dois primeiros sectores, bateu contra um muro na última curva e lá ficou.

A 'pole' seria de Hamilton, Max sairia de terceiro. Após arranque tranquilo, um acidente de Mick Schumacher interrompeu a prova na 10.ª volta. Na nova partida, é Verstappen quem está na liderança, pois não parou nos boxes. Só que com pneus com melhor aderência, Hamilton ultrapassou o neerlandês, mas este voltou a ganhar o lugar ao britânico. O piloto neerlandês da Red Bull alargou e cortou caminho, ganhou vantagem e voltou a estar na frente. Para evitar uma colisão, Hamilton levantou o pé.

Ainda não se tinha andado um quilómetro e a corrida já era interrompida mais uma vez, após acidente de Nikita Mazepin, envolvendo vários pilotos. Sancionado pela sua manobra anterior, Verstappen caiu para terceiro, atrás de Hamilton e Esteban Ocon, que estava na frente.

Na primeira curva, 'Mad Max', com melhores pneus, tentou e conseguiu uma ultrapassagem de alto risco a Hamilton e Ocon de uma assentada, na terceira largada. A corrida resumiu-se depois aos ataques de Hamilton a Verstappen.  Numa das tentativas, Verstappen fechou a porta a Hamilton, mas a direção de corrida obrigou-o a ceder a posição ao britânico. Só que Hamilton não sabia e, numa das zonas rápidas do circuito, Max faz um 'break test', levando a uma colisão com Hamilton. Mesmo com a asa dianteira danificada, Hamilton continua. Max aproveita alguns metros depois, já com DRS, para voltar a liderança, mas na volta seguinte Hamilton consegue finalmente a ultrapassagem e vence a prova, ficando com um ponto de bônus pela melhor volta. Os dois iam para a última corrida e igualdade pontual, algo que só tinha acontecido uma vez na história da Fórmula 1.

7. Drama em Abu Dhabi

A última corrida da temporada começa com polémica na primeira volta. Hamilton, que partiu de segundo, levou a melhor sobre Verstappen antes da primeira curva. O piloto da Red Bull rapidamente tentou ultrapassá-lo com uma manobra ousada na curva 6. Os dois pilotos tocaram-se, forçando Hamilton a sair da pista para evitar um acidente que estragaria os seus planos. O inglês cortou a chicane e manteve-se a frete do neerlandês. Perez ainda ajudou Verstappen a diminuir a desvantagem de oito para um segundo ao segurar Hamilton, mas o inglês voltou a disparar rumo aquele que, acreditava, ia ser o seu oitavo título de campeão mundial,

Depois veio o acidente do canadiano Nicholas Latifi (Williams), a cinco voltas do final. 'Safety car' em pista e Max a mudar de pneus duas vezes, sem que Hamilton pudesse fazê-lo, sob pena de perder a sua posição em pista para o piloto da Red Bull. Quando os comissários recomeçaram a prova, colocaram Verstappen atrás de Hamilton (aquando da interrupção, Max estava a tentar dobrar 4 pilotos que Hamilton já tinha deixado para trás), para a derradeira volta. O neerlandês, com pneus novos e com melhor aderência, ultrapassou um incrédulo Hamilton nas últimas curvas, venceu a corrida e conquistou o tão sonhado título inédito.

Ora lideras tu, ora lidero eu

Na fantástica temporada de 2021 da Fórmula 1, os portugueses puderam acompanhar a prova a través da Eleven Sports. João Carlos Costa era um dos comentadores de serviço e viu uma temporada memorável.

"Se não foi a melhor época, foi com certeza uma das melhores de sempre. Tivemos uma batalha fora do comum entre dois pilotos que dominaram os debates. Se olharmos para todas as corridas, à 10.ª volta, normalmente estavam em primeiro ou em segundo e já com muita vantagem sobre os companheiros de equipa. Estiveram numa classe a parte", destaca o analista de desporto motorizado.

Nas 22 provas disputadas do mais longo campeonato de sempre da Fórmula 1, Verstappen somou dez triunfos em 2021. O piloto da Red Bull venceu no México, a 07 de novembro, e somou ainda triunfos em Emilia Romagna, Mónaco, França, Estíria e Áustria, Bélgica, Países Baixos e Estados Unidos. Verstappen teve três desistências em 2021 (Azerbaijão, Grã-Bretanha e Itália), enquanto Hamilton não pontuou em duas provas, Azerbaijão (foi 15.º) e Itália (desistiu após toque com Verstappen).

Podemos esperar um Max a lutar pelo bicampeonato e um Lewis a lutar para recuperar aquilo 'que é seu' e tornar-se no piloto com mais títulos na história do mundial de F1

Já Hamilton acabou com oito vitórias, três delas nas últimas quatro corridas no Brasil, Qatar e Arabia Saudita, depois de ter vencido no Bahrain, em Portugal, em Espanha, na Grã-Bretanha e na Rússia.

Depois de um início mais forte, com três vitórias nas quatro primeiras corridas, Hamilton e a Mercedes deixaram-se ultrapassar pela Red Bull e por Verstappen num Mundial que teve troca de líderes por cinco vezes. Hamilton foi o primeiro comandante, após vencer na inauguração da temporada, no Bahrain, mas cederia a liderança ao seu adversário da Red Bull no Mónaco, em 23 de maio. O piloto da Mercedes voltou ao primeiro lugar em 01 de agosto, para o ceder duas corridas depois, nos Países Baixos, graças à vitória caseira de Verstappen.

Hamilton voltaria ao primeiro lugar quando assinou a 100.ª vitória da carreira (inédita na competição), na Rússia, antes de ver o piloto da Red Bull assaltar novamente a liderança na Turquia para nunca mais a largar.

E agora, em 2022? Mais do mesmo, por favor!

Num ano em que a Fórmula 1 volta a mudar, a expetativa dos adeptos da modalidade é que a nova época seja igual ou que ande lá perto do que foi 2021. Para já, há um novo regulamento, novas diretrizes técnicas e mecânicas que visam facilitar as ultrapassagens, dando assim mais emoção às corridas.

Não há mexidas nas unidades motrizes - motores - mas muitas mudanças a nível aerodinâmico, com asas mais arredondadas que permitirão desviar o fluxo de ar, aumentando assim a estabilidade e aderência. Os novos carros deixarão de sentir os problemas de turbulência por andarem tão perto uns dos outros como em 2021, o que irá facilitar as ultrapassagens. Os pneus também são maiores, de 18 polegadas, algo que irá aumentar a sua performance e durabilidade.

O que dificilmente irá mudar são os candidatos ao título, tanto a nível de pilotos como de construtores. Para Óscar Góis, comentador da Eleven,  luta será entre o atual campeão e o vice.

"Podemos esperar um Max a lutar pelo bicampeonato e um Lewis a lutar para recuperar aquilo 'que é seu' e tornar-se no piloto com mais títulos na história do mundial de F1. A tudo isto juntar-se-ão novos regulamentos, um novo monolugar e uma viagem longa ao desconhecido. Não esquecendo que vai ser uma temporada muito desgastante para pilotos, engenheiros, mecânicos e demais staffs das equipas. São 23 GP na maior temporada de sempre, com um calendário muito apertado", analisou, ao SAPO Desporto.

Uma ideia que é secundada por João Carlos Costa.

"Os dois têm duas vontades que apontam no mesmo sentido, o título, por razões diferentes: o Max quer mostrar que o título não foi fruto apenas da situação da última corrida, apesar de ter ficado essa ideia em muita gente, o que é errado. O Hamilton vai olhar para o recorde de títulos, apesar de dizer que não. Quer mesmo o oitavo títulos. Já tem o recorde de vitórias e de poles", atirou.

Que comece logo a época de 2022!