“A ideia geral é que fiquei com uma boa reforma por ter sido campeã olímpica, mas a partir daí não tive direito a mais nada. Geri tudo aquilo que ganhei e não me queixo, mas cortei nas idas às escolas, porque não recebo nada, gasto do meu dinheiro e sou incapaz de pedir a um professor que me pague as viagens”, lamentou à agência Lusa a medalha de ouro em Atlanta1996, nos Estados Unidos, e de bronze em Sydney2000, na Austrália.

Disposta a partilhar a experiência acumulada durante três décadas no estrelato, a penafidelense fundou a Academia de Atletismo Fernanda Ribeiro em 2014, beneficiando de obras na pista do Estádio Municipal José Vieira de Carvalho.

“Sempre disse que gostava de ficar ligada a crianças e abri uma academia que, às vezes, até me dá prejuízo. Mas como vejo o atletismo de maneira diferente, neste momento não me preocupa ter campeões. Quero que todos sejam felizes e um exemplo”, sustentou.

Aos 50 anos, a multimedalhada vê-se como “amiga” de 80 atletas de diversas faixas etárias, incluindo a triplista Susana Costa, única profissional de uma estrutura “muito familiar”, que agrega dois grupos de trabalho e quatro técnicos qualificados, e que dinamizou seis Corridas Fernanda Ribeiro e dois ‘meetings’ internacionais de pista.

“Para ser treinadora tinha de fazer sofrer aquilo que sofri e era incapaz de fazer isso a alguém. Tenho um grupo de pessoas mais velhas que treinam comigo e aí não vou estragar nada. Com crianças já existe uma responsabilidade maior, daí que estejam entregues a treinadores e tudo o que pagam é destinado a eles”, explicou.

De raízes humildes na extinta freguesia de Novelas, a recordista nacional dos 5.000 e 10.000 metros foi encorajada pelo pai aos nove anos a aproveitar os atributos atléticos exibidos em “corridas com amigos” e assinou pelo FC Porto em 1982, depois do arranque com Valongo e Kolossal, abandonando a escola no sexto ano, com 12 anos.

“Havia aulas aos sábados e, nesses dias, tinha competições. Estigmas? Era feliz a correr e nem pensava quando me diziam para ir trabalhar ou lavar a loiça. Conforme fui vencendo, algumas das pessoas que insultaram tiveram de me aplaudir”, gracejou.

Habituada ao sucesso precoce, Fernanda Ribeiro estreou-se em Jogos Olímpicos com 19 anos, mas ficou pela meia-final dos 3.000 metros em Seul 1988, comprovando a discrepância para a fina nata planetária, que escancarou quatro anos de “desilusões”.

“Como fui boa atleta como infantil, iniciada, juvenil e júnior, todos estavam à espera que fosse para sénior e começasse logo a ganhar medalhas. Em 1992, fui aos Jogos de Barcelona sem ser candidata, mas Portugal não teve medalhas e a Federação criticou-me a mim e à Teresa Machado. Achei injusto e disse que nunca mais corria”, recordou.

Após uma curta estadia no Maratona (1993 e 1994), na qual passou em definitivo para a distância dos 10.000 metros, a corredora voltou a alimentar um hipotético abandono em 1999, quando “era candidata” ao pódio nos Mundiais de Sevilha e desistiu sem ter “uma explicação”, mas recuou amparada pelo reconhecimento em Atlanta.

A recuperação física e psicológica deveu-se ao trabalho com o massagista russo Rachid Boukurov e o técnico João Campos, com quem “chorava nos treinos”, além da crença despertada pelo fisioterapeuta Rodolfo Moura, condimentos que adiaram o ocaso de um currículo afamado até 2012, após um ano a competir com uma rotura no pé.

Os sonhos diminuíram com o avanço da idade, até porque as cinco presenças olímpicas e as 12 medalhas internacionais perfazem um estatuto incomparável no atletismo português, mas o “prazer de treinar” e a “vontade em competir” continuam intactos.

“Quero bater o recorde mundial de 10.000 metros nos 50 anos [35:03 minutos] no meu ‘meeting’ de 2021, quando passarem 25 anos desde Atlanta. Sei que é difícil, mas gosto de ter algo que me leve a lutar”, afiançou Fernanda Ribeiro, sem amores pelos quatro anos de vereadora do CDS-PP com o pelouro do Desporto na autarquia de Penafiel.