O racismo visto nas bancadas do Bulgária-Inglaterra, na segunda-feira, deixou “chocados” dois jogadores portugueses a atuar no campeonato de futebol búlgaro, ainda que ambos não tenham sofrido qualquer episódio naquele país.

A Inglaterra venceu por 6-0 o jogo de apuramento para o Euro2020, na segunda-feira, no Estádio Vasil Levski, em Sófia, sob uma ‘barragem’ de insultos racistas, várias provocações e com adeptos búlgaros nas bancadas a exibirem saudações nazis.

O caso levou já a seis detenções e à demissão do presidente da federação búlgara, mas Patrick Andrade, um cabo-verdiano com nacionalidade portuguesa que joga no Cherno More, após passagens por Moreirense ou Salgueiros, não consegue “explicar o que aconteceu”.

“Não é comum. Estou aqui há um ano e meio e nunca vi disto. Fui sempre bem tratado, as pessoas são acolhedoras e gostam de jogadores estrangeiros, e ainda mais quando mostras o teu trabalho. Não sei o que se passou contra a Inglaterra, mas nunca vi disto”, contou à agência Lusa.

O médio vive em Varna desde o início da época 2018/19, onde não tem “nada a apontar às pessoas”, até porque mesmo em estádios adversários nunca viu cartazes ou ouviu provocações, confessando-se, ainda assim, “chocado”.

“Toda a gente na Bulgária está a falar sobre isso, é uma notícia mundial. Passa uma imagem feia, o que é pena. Quero ficar aqui mais uns anos e nunca tive problemas com racismo”, acrescenta.

A jogar no mesmo clube, Jordão Cardoso chegou no verão proveniente do Benfica de Castelo Branco e revela que “o que aconteceu não é habitual nem bonito de se ver”, mas alerta que estes fenómenos “já aconteceram noutros países e não foi a primeira vez nem será a última”.

“Não só neste país como no futebol e no mundo, ainda se vê com alguma regulariedade e é muito feio. Não gosto, porque podia ter acontecido comigo também”, atira.

O avançado de 23 anos, que passou pelas camadas jovens do Rio Ave, mas também pelo Mirandela ou Vianense, nunca foi alvo de nenhum ataque racista, “nem fora nem dentro do campo”, e lembra uma vitória no reduto do CSKA Sófia, por 3-1, no qual “a revolta foi com os próprios jogadores” do clube da capital.

“Cheguei há pouco e tenho poucos minutos. Mas mesmo com colegas estrangeiros, com o mesmo tom de pele, não presenciei nada”, aponta.

A dupla concorda que sanções mais duras da UEFA ou FIFA “podem ajudar a combater o racismo no futebol”, ainda que Jordão Cardoso não saiba dizer “o que seria suficiente para fazer parar”, até porque ele próprio já sofreu abusos racistas, incluindo em Portugal, “quando era mais novo.

“Por acontecer num país não quer dizer que noutro não aconteça. (...) Já senti na pele e a qualquer momento pode voltar a acontecer. Um jogador, quando sofre estes insultos, sente impotência. Quando os insultos vêm da bancada não há como proteger o jogador”, comenta.

A União de Futebol da Bulgária já tinha sido multada em 2011, de novo após um jogo com Inglaterra, por insultos dirigidos a Ashley Young, Ashley Cole e Theo Walcott.

Dois anos mais tarde, adeptos do Levski Sófia exibiram uma faixa a celebrar o aniversário de Adolf Hitler, enquanto a final da Taça da Bulgária de 2018 teve, nas bancadas, uma criança a fazer uma saudação nazi, ao lado de outra com uma suástica tatuada no peito.

Em 2015, o Centro para o Estudo da Democracia (CSD) de Sófia produziu um relatório sobre a radicalização na Bulgária, que inclui um capítulo sobre os ‘hooligans’ daquele país.

Nele, os investigadores destacam que o racismo, “no sentido de intolerância e violência contra pessoas devido à sua raça ou etnia, é comum entre ‘ultras’ e ‘hooligans’”.

Se este abuso é dirigido sobretudo para a comunidade Romani, “nos últimos anos os refugiados e migrantes também têm sido alvos”, lembrando um adepto do Levski que, entrevistado pelos jornalistas, destacou que não gosta de quaisquer pessoas de origem africana, turca ou árabe, mas não se importa “com jogadores de pele escura no clube”.

Citada hoje pela BBC, a jornalista Yana Pelovska explica que a situação do racismo no futebol búlgaro “é complicada”. “Não posso dizer que estes cânticos sejam comuns”, referiu, alertando também para “a imagem do país” que passa pelo caso.