Jorge Jesus fez história ao tornar-se no primeiro treinador português a conquistar a Taça Libertadores da América, a que se somou no dia seguinte o triunfo no Brasileirão.

Mas há um timoneiro luso que já venceu oito provas a nível continental: Manuel José, ao serviço do Al Ahly, do Egipto: Quatro Ligas dos Campeões africanas e quatro Supertaças.

Em entrevista ao SAPO Desporto, o ex-técnico ressalva a importância do triunfo no sentido em que este poderá abrir as portas para os treinadores portugueses no Brasil, num país em que o futebol português e até europeu era visto, e ainda é, com bastante desconfiança.

"Fiquei felicíssimo por ele. Já tivemos alguns desaguisados, mas isso não me turva a lucidez. Ele em tão pouco tempo deu uma volta completa ao clube. Ganhou o campeonato, ganhou essa Libertadores. Estou feliz por ele, pelo futebol português. O Flamengo também não ganhava o Brasileirão há uma série de anos, foi absolutamente notável, contra a animosidade daqueles treinadores brasileiros. Eu quando comecei a minha carreira, os treinadores brasileiros eram muito bem tratados em Portugal, às vezes até melhor do que os portugueses...Agora tiveram que meter a viola no saco. O 'status quo' agora vai ter mudar porque chegou alguém com um futebol moderno, com uma forma de treinar muito mais atualizada, com o melhor da Europa do futebol. E que abra a porta a outros, o que não é fácil."

Sobre a final da Libertadores, Manuel José reconhece que o Flamengo não esteve ao melhor nível, mas que importante mesmo foi levar o troféu para casa.

"Estive a ver o jogo, e não era possível que o River Plate aguentasse aquela pressão sobre a equipa do Flamengo, aquilo era quase homem a homem. Nos últimos 15 minutos o River Plate baixou um pouco aquela pressão, o Flamengo conseguiu libertar-se e ganharam. Não interessa quem jogou melhor, ou quem jogou pior, aquilo é para ganhar. Ganhou, não teve brilho, mas conseguiu fazer o que só o Santos de Pelé tinha conseguido [Ganhar o Brasileirão e o Libertadores]", ressalvou.

Manuel José é um dos treinadores mais titulados do mundo no que diz respeito a conquistas continentais, ao serviço do Al Ahly. Porém, reconhece que o futebol africano não tem o mesmo impacto do europeu e do africano.

"Eu enquanto treinador fiz nove finais continentais. Ganhei quatro Liga dos Campeões africanas, poucos treinadores no Mundo têm oito títulos continentais, mas eu percebo que o futebol em África tem uma dimensão diferente da que tem na Europa e da América do Sul. As pessoas em Portugal têm tendência para desvalorizar e por isso gostava de saber qual é o treinador do mundo que tem 8 títulos continentais. Em cinco finais da Liga dos Campeões ganhámos quatro supertaças africanas. Mas percebo perfeitamente a diferença entre o futebol sul-americano e o africano."

Com a conquista do Brasileirão e da Libertadores, Manuel José considera que o 'céu já não é o limite' para o técnico português. Ainda assim, não considera fácil que Jorge Jesus salte imediatamente para um grande clube europeu, embora lhe reconheça toda a competência.

"Como se costuma dizer, o céu já não é o limite. Como ele já disse, agora Portugal fica difícil e agora aspira a treinar um grande na Europa. Mas o facto de ter ganho a Libertadores não quer dizer que ele vá diretamente para um clube grande da Europa. Assim como nós olhamos de cima para baixo para África, os europeus olham para o futebol sul-americano de cima para baixo. Com alguma simpatia, mas sem dar a importância que eles merecem. Não é fácil ele chegar a um grande da Europa, terá que apresentar mais trabalho depois disso, até porque ele ganha este título com 65 anos e portanto não vai ser fácil chegar a um dos 'grandes' de Inglaterra, de Espanha ou da Alemanha, mas ele tem 'estaleca' e sabedoria suficiente para chegar a um país desses se o contratarem para ser campeão.

Com o triunfo na Libertadores, o Flamengo já pensa no Mundial de Clubes, que se vai disputar no Qatar entre os dias 11 e 22 de dezembro. Manuel José também viveu essa experiência com o emblema egípcio, mas na altura a competição era disputada no Japão.

A "chatice' da diferença horária era algo que condicionava as equipas, e por isso, o antigo técnico não descurava a preparação.

"As vezes em que eu estive no Mundial de Clubes foi sempre no Japão. E essa localização é sempre um assunto muito sério para as equipa europeias. Quantos nós fomos ao campeonato do mundo de clubes íamos sempre com 15 dias de antecedência porque a diferença horária em relação ao Egipto eram sempre oito ou nove horas. E o 'jetlag' era uma chatice. Ao segundo dia passávamos a noite em branco e dormíamos de dia e tínhamos que treinar. Lembro-me de conversar com o Deco e o Ronaldinho [o Barcelona estava na competição] e de eles me dizerem que de noite não dormiam e durante o dia passavam o dia a cair de sono. Então o rendimento não era o mesmo. Era muito difícil por causa da diferença horária", recorda, esclarecendo que o Liverpool, que é o representante europeu, não terá problemas em se adaptar. Sobre uma eventual triunfo do Flamengo, Manuel José deu o exemplo do São Paulo, que contra todas as expetativas conseguiu vencer o Mundial de Clubes. "A equipa europeia não terá grandes problemas (a diferença horário entre Inglaterra e o Qatar é de 3 horas) em se ambientar e jogar assim no máximo das suas capacidades. Lembro-me que o São Paulo com Paulo Autuori foi campeão mundial de clubes no Japão e foi no primeiro ano que eu lá estive. E estava tudo a dormir...e venceram com mérito como é evidente", terminou.