Se por um lado existem clubes que quando confrontados com uma adversidade, neste caso uma descida de divisão, baixam os braços e vão em ‘queda livre’ pelas várias divisões do futebol português, outros há que arregaçam as mangas e procuram regressar à elite, por mais tempo que esse processo leve. É o caso do Futebol Clube de Alverca.

Dos anos de ouro ao fundo em apenas sete anos

Antes de avançarmos na história e saber o que se passa com este clube à beira de Lisboa, é preciso recuar no tempo para relembrar um clube que há 20 anos chegou ao palco principal do futebol nacional. Entre o final dos anos 90 do século passado e o início do corrente século, o clube ribatejano esteve cinco épocas, quatro de forma consecutiva, no escalão máximo do futebol português. Nestes anos áureos, a equipa onde brilharam estrelas como Deco, Mantorras, Maniche, Ricardo Carvalho, e treinadores como Jesualdo Ferreira, José Couceiro ou o falecido Mário Wilson – treinador que levou os alverquenses pela primeira vez à I Liga em 1997/98 –, passou nos testes da Luz (na época 2000/2001 venceu o Benfica na Luz por 2-0 com golos de Ivan Dudic e Rui Borges), de Alvalade (Venceu em 2001/2002 em Alvalade com um golo de Zarate) e das Antas (empatou sem golos duas vezes em casa do FC Porto nas épocas 1999/2000 e 2001/02).

O benfiquista João Tomás (d), tenta passar pelo jogador do Alverca Veríssimo
O benfiquista João Tomás (d), tenta passar pelo jogador do Alverca Veríssimo créditos: ANTONIO COTRIM/LUSA

Mas o inesperado aconteceu quando o clube já apresentava uma certa estabilidade junto dos três ‘grandes’. A saída de Luís Filipe Vieira para assumir o cargo de diretor desportivo do SL Benfica e de vários jogadores da ‘espinha dorsal’ – Ricardo Carvalho, Maniche e Mantorras – entre 1999 e 2001 coincidiu com a queda do clube. Em 2003/04 caiu para a segunda liga e no final da época seguinte, devido a uma grave crise financeira, extinguiu-se.

“O que aconteceu foi que na altura houve um desinteresse dos constituintes da SAD e dos sócios, e juntamente com a crise que se instalou na altura acabou por dar origem à descida de divisão por não termos feito a inscrição nos campeonatos abaixo. O clube acabou por ter dois anos sem futebol sénior”, começa por contar Fernando Orge, atual presidente do clube.

“Quando Luís Filipe Vieira saiu houve uma certa fragilidade da SAD na altura que acabou por ter consequências mais tarde, nomeadamente em 2004. Isto causou uma situação grave ao futebol do Alverca. Com a saída dele, a SAD acabou por ficar frágil porque ele era um dos obreiros muito fortes deste projeto em termos publicitários, imobiliários, de visão de negócio. De certeza absoluta que a SAD ficou frágil e acabou por começar a ruir porque não havia mais ninguém na SAD que tivesse a capacidade de diálogo, de comunicação e de negociação como o Luís Filipe Vieira. Isso acabou por trazer aquilo que trouxe ao Alverca”, acrescenta.

Extinto o clube e a SAD, criada nos tempos de Luís Filipe Vieira quando este era dirigente do clube alverquense, o Alverca iniciou um caminho lento e de recuperação do pesadelo em que caiu em 2005. Depois da queda abrupta à última divisão das distritais e que levou até à extinção do futebol sénior, o clube ribatejano voltou ao ativo na época 2006/07 na segunda divisão distrital de Lisboa. Na época seguinte subiu à primeira divisão, mais tarde denominada Campeonato Distrital Pró-nacional. Foram precisos 13 anos de muita luta para que o Futebol Clube de Alverca regressasse aos campeonatos nacionais. Na época passada, a equipa conseguiu a promoção ao Campeonato de Portugal, onde defronta equipas quase todas elas profissionais – o Alverca é uma equipa amadora. A este juntou já na corrente época a Supertaça da Associação de Futebol de Lisboa.

O processo já estava em marcha quando Fernando Orge, antigo atleta do Alverca, assumiu a presidência em 2011. Depois de dias negros, a esperança regressou ao clube ribatejano, mas ainda há um longo trilho a percorrer para regressar aos convívio dos 'grandes'. A sustentabilidade financeira e a aposta são formação são os pilares do futuro do emblema alverquense.

“A máquina era muito pesada e quando entrei aqui recordo-me perfeitamente que ao fim de dois/três meses apresentámos contas do exercício anterior e tínhamos contas negativas de cerca de 180 mil euros, o que nos deixou bastante assustados. Foram tempos difíceis em que tivemos de meter pés ao caminho e começar a desbravar algumas situações e conseguir de alguma forma equilibrar o clube em termos financeiros e desportivos”, afirmou em entrevista ao SAPO Desporto.

O presidente Fernando Orge discursa no dia da conquista do título
O presidente Fernando Orge discursa no dia da conquista do título créditos: Futebol Clube de Alverca

Através de uma reorganização financeira, o Alverca conseguiu tornar-se "um clube sustentável, saudável, e que vai crescer sustentadamente" no futuro. “As infraestruturas são pesadas em termos financeiros porque precisam de muito arranjo. Temos de estar sempre em cima do assunto para não as deixar degradar. Quando aqui entrámos o património estava de alguma forma degradado e lentamente temos vindo a tentar lavar a cara e de alguma forma recuperá-lo”, recorda Fernando Orge, relembrando que o Complexo Desportivo do Futebol Clube de Alverca recentemente recebeu o jogo da Taça de Portugal entre o Loures e o Sporting.

O Alverca é uma equipa amadora que sobrevive num campeonato cada vez mais lotado de clubes profissionais. Treina quatro vezes por semana, sempre às 20h00. Uma realidade que obriga a equipa técnica a pensar muito bem os treinos.

O Complexo Desportivo do FC Alverca
O Complexo Desportivo do FC Alverca créditos: Futebol Clube de Alverca

“É difícil termos jogadores que trabalham ou estudam e depois vêm treinar ao final da tarde, até porque depois defrontamos outras equipas que têm jogadores profissionais. Eu fui profissional de futebol e amador e a diferença é muita. Posso dizer que aqui há jogadores que chegam à quinta ou sexta-feira complemente de rastos porque têm trabalhos mais forçados”, referiu o treinador, António Pedro Trindade, conhecido como Tó-Pê, nascido e criado na cidade ribatejana.

“Tenho muito orgulho em ser treinador do Alverca e, sobretudo, tenho muito orgulho de ter sido o treinador que levou o Alverca da Pró-nacional aos campeonatos profissionais, no meu segundo ano como treinador. Tenho 21 anos de Futebol Clube de Alverca tanto como jogador e agora como treinador. Sinto-me de uma forma especial por ter nascido aqui morar aqui e ser treinador do clube. Mas penso que esse orgulho também traz mais responsabilidade tanto a mim como aos jogadores formados aqui. Traz-nos sempre a responsabilidade de carregar o nome de um clube histórico como o Alverca”, afirma o técnico.

Quem também tem de lidar com esta ‘vida dupla’ são os jogadores. Cerca de 90% do grupo de trabalho capitaneado por um jovem de 22 anos tem de conciliar o trabalho ou estudos com a vida de futebolista.

“Não podemos pensar nisso – poder defrontar uma equipa profissional ao domingo. Mesmo não sendo profissionais temos de agir como tal e temos de nos entregar a 100 por cento ao futebol. Para os mais novos até acaba por ser uma motivação. Eu quero chegar lá, e agora estou nestas condições, mas amanhã posso estar noutra equipa completamente diferente e num contexto muito mais profissional”, sublinha Rafa Castanheira, o capitão de equipa, que sempre jogou no clube ribatejano e ainda se lembra, ainda que vagamente, da presença da equipa na I Liga.

Rafael Castanheira festeja um golo
Rafael Castanheira festeja um golo créditos: Futebol Clube de Alverca

“Era pequeno quando o Alverca estava na I Liga, mas lembro-me que era uma mística incrível, a cidade enchia e era diferente. É claro que é uma pena o clube estar onde está. Como alverquense gostaria de ver o clube nos patamares de onde nunca deveria ter saído”, atira o futebolista.

Hugo Grilo, o mais velho do plantel com 32 anos, acredita que a manutenção no Campeonato de Portugal é possível esta temporada, apesar de neste momento o clube encontrar-se em zona de despromoção com apenas nove pontos.

“O campeonato é extremamente difícil. Agora descem mais equipas e isso complica um bocado para quem tem os nossos objetivos que é a manutenção. Com a vida que temos e o facto de muitos trabalharem ou estudarem e depois as viagens longas, tudo isso desgasta. Mas eu acredito que temos qualidade e que vamos conseguir a manutenção”, atirou o futebolista.

O jogador Hugo Grilo
O jogador Hugo Grilo créditos: Futebol Clube de Alverca

A mesma opinião tem Telmo Gonçalves, jogador que cumpre a segunda época no clube do Ribatejo e para quem os moldes desta competição tornam o campeonato mais difícil para as equipas que subiram das distritais.

“O campeonato é competitivo nestes moldes. A extinção da III Divisão tornou difícil a subida das equipas que vêm da distrital. Esses clubes acabam por apanhar um panorama completamente diferente, a dinâmica é outra, as equipas são mais competitivas e depois temos a diferença entre as equipas profissionais e as amadoras. Aí nota-se que existe outro tipo de intensidade derivado da prática que têm durante a semana e também outros tipos de cuidados que essas instituições conseguem proporcionar aos atletas. Isso acaba por ser uma desvantagem, mas de qualquer forma penso que neste tipo de grupos o que nos move é a superação porque treinar nestas condições e ao domingo pontuar na casa de uma equipa que tem outro tipo de objetivos é sempre aliciante e é isso que nos dá outra motivação para encarar os jogos que vêm a seguir”, refere o atleta de 30 anos.

Telmo Gonçalves em ação
Telmo Gonçalves em ação créditos: Futebol Clube de Alverca

Quem também aponta à manutenção como uma alavanca para o futuro são o presidente Fernando Orge e o treinador Tó-Pê. Os ‘homens-fortes’ do futebol alverquense sunlinham que a permanência neste escalão é fundamental para o crescimento do clube, assim como uma nova Sociedade Anónima Desportiva (SAD) ou Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ).

“Subir ao campeonato profissional, nesta altura, não é um projeto do Alverca. O clube não tem condições para sozinho chegar aos campeonatos profissionais. Pode, eventualmente, evoluir para uma SAD ou SDUQ dentro de relativamente pouco tempo, e aí sim, em conjunto com alguém que tenha condições financeiras que nos possa ajudar a crescer, podemos pensar nos campeonatos profissionais. Em conjunto com uma entidade ou entidades poderá, eventualmente, chegar lá em três ou quatro anos”, perspectivou o dirigente alverquense.

“Penso que este ano sobretudo o que queremos é a manutenção e que esta seja alcançada o mais rapidamente possível. Os moldes em que este campeonato está feito trazem algumas dificuldades até pelos investimentos feitos pelos clubes. Neste momento, nós não pensamos nisso. Penso que para o ano, e pelo nome que o clube tem, também poderemos ver que tipo de condições temos para o fazer. Este ano passa única e exclusivamente pela manutenção. Mas claro que o Alverca mais ano menos ano vai querer subir a outros patamares”, afirmou Tó-Pê, que ocupa o cargo de treinador principal há dois anos e meio.

O título que encheu as ruas de Alverca e o afastamento da cidade ao clube

Depois treze longos anos de espera, as ruas de Alverca encheram-se de azul e vermelho, as cores do FC Alverca, para festejar a conquista do Pró-Nacional e respetiva subida de divisão ao Campeonato de Portugal. Na hora dos festejos, o presidente, Fernando Orge, não escondeu o orgulho de ver o clube estar um passo mais perto do regresso à I Liga.

“Foi uma festa magnífica durante esse dia e o seguinte na cidade. Alertámos um pouco a cidade para que percebam que o Alverca é um clube vivo, das massas, da cidade e que precisa de toda a gente para nos ajudar. Os adeptos fazem falta dentro do estádio para nos ajudar. Nem sempre é fácil estarmos como estamos nesta altura numa fase menos boa, mas só com a ajuda deles é que podemos, eventualmente, manter-mo-nos neste escalão e de alguma forma alegrar a cidade porque o futebol alegra as pessoas”, recorda com um sorriso o dirigente.

“Saboreámos o título de forma muito especial. Penso que o dia em que subimos de divisão foi o momento em que vi a cidade mais ligada ao clube desde que o Alverca subiu à I Liga”, referiu o treinador de 39 anos.

Festejos estenderam-se à cidade de Alverca
Festejos estenderam-se à cidade de Alverca créditos: Futebol Clube de Alverca

Mas os dois também lamentam que a cidade se tenham ‘desligado’ do clube nos últimos anos.

“Em 2011 encontrámos um clube muito fechado, a cidade pouco sabia do que é que existia no Alverca e entristecia-me o facto de chegar a alguns pontos da cidade e dizer que o clube tinha karaté, natação ou ginástica acrobática e a pessoas perguntavam: ‘Mas vocês têm isso?’. O clube estava muito fechado e de costas viradas para a cidade e nós temos vindo ao longo destes anos trazer a cidade para dentro de um clube, que é um trabalho difícil”, lamenta Fernando Orge.

“Existe um afastamento de há muitos anos entre a cidade e o clube talvez por alguns problemas provocados com o clube e com algumas pessoas que geriram o clube. Alverca é uma cidade muito grande, mas acaba por ser um dormitório. Muitas pessoas vivem cá e não são naturais de Alverca ou têm um afastamento maior da cidade. Depois, o que acontece nestes clubes que são mais sub-urbanos à região de Lisboa é que as pessoas têm o seu clube que é o Benfica ou o Sporting e só depois é que se pertencem ao clube da terra. Por estas razões ou por outras sentimos que a cidade deveria estar mais envolvida no clube”, explica António Trindade.

Centro de formação e a aposta num futuro sustentável

O Centro de Formação do Alverca
O Centro de Formação do Alverca créditos: Futebol Clube de Alverca

Depois de muitos anos de paragem, ao lado da estação de comboio de Alverca nasceu ‘a menina dos olhos bonitos’ do clube ribatejano. O Centro de Formação foi inaugurado com pompa e circunstância no passado mês de setembro. Foi um projeto iniciado no final dos anos 90, e cuja conclusão estava prevista para antes do Euro2004 para ali albergar uma das seleções apuradas para a competição. No entanto, a crise financeira do clube, mas também do próprio país, fez com o projeto não andasse para a frente.

Atualmente, o Centro de Formação conta com quatro relvados (dois de futebol de 11, um de 9 e um de 5), balneários de apoio e estacionamento. Nos próximos meses/anos, está prevista a construção de uma bancada e de um espaço comercial (2.ª fase) e também um pavilhão, um auditório, a sala de troféus e uma zona de quartos, para estágios da equipa e para clubes visitantes (3.ª fase). A construção foi comparticipada em 75 por cento pelo FC Alverca e 25 por cento pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, num custo total de um milhão de euros.

“É um orgulho olhar para aquele espaço e ver tantos jovens e pais e dizermos que era uma realidade que o Alverca necessitava. O clube não podia continuar mais a viver da maneira que estava com um campo pelado e a perder ativos e valores importantes para outros clubes porque os miúdos não queriam jogar no pelado, e isso é normal. Posso dizer que, nesta altura, o Alverca tem uma infraestrutura que, na nossa visão, é de longe a melhor do distrito de Lisboa”, conta Fernando Orge.

“O caminho agora faz-se passo a passo. É importante afirmar-mo-nos e ficarmos no Campeonato de Portugal. O nosso foco mais importante é a formação, formar e trazer miúdos com cada vez mais qualidade desde os escalões de formação mais baixos até aos mais altos para termos melhor qualidade a integrar a equipa sénior e podermos tirar partido deles darem o salto para Benfica, Sporting, FC Porto ou outros clubes e daí retirar algumas verbas para alimentar a nossa formação. Esse é um ponto fundamental, é aquilo que queremos, uma formação com cada vez melhores condições, termos melhores jogadores para podermos de alguma forma alimentar a equipa sénior”, concluiu.

Longe vão os tempos do estrelato do Futebol Clube de Alverca no palco do principal escalão do futebol português. Depois da descrença e de anos muito negros, o clube ribatejano, que já foi representado por ex-internacionais portugueses como Deco, Ricardo Carvalho e Maniche, e que lançou Mantorras, reergueu-se e aponta agora à construção de uma base forte para nunca mais voltar a uma divisão de onde os locais dizem nunca deveria ter saído.