O capitão dos Tubarões Azuis recorda, em entrevista ao SAPO Internacional, como esteve quase a ir jogar para a Primeira Liga inglesa, as lesões graves que quase travaram a carreira e o que lhe aconteceu para ter decidido jogar por Cabo Verde. A cereja em cima do bolo? Marco Soares confessou-nos que está tudo bem encaminhado para ir jogar num clube do Norte de Portugal.

A entrevista deu-se pouco antes daquele que será um dos dias mais felizes da vida do atual capitão da seleção de Cabo Verde. Não se trata de um contrato milionário ou de um prémio futebolístico. Após 15 anos de namoro e três filhas, Marco vai finalmente casar-se com Cheila Oliveira, mulher que o acompanha desde os seus 18 anos, numa cerimónia em que vai ter como padrinhos Fernanda Marques, antiga ministra da Educação e Desporto de Cabo Verde, e Daúto Faquirá, o treinador que o lançou na equipa principal do Barreirense, quando ainda era júnior.

Na próxima época, tudo indica que o homem que já vestiu por 47 vezes a camisola de Cabo Verde deverá andar pelos relvados da primeira divisão de Portugal, envergando o equipamento de um clube do norte. Qual? Por agora o atleta não revela, mas só uma surpresa de última hora poderá deitar por terra a contratação do ainda jogador dos cipriotas do AEL Limassol.

Marco Paulo da Silva Soares, de ascendência cabo-verdiana, nasceu em 1984 na cidade portuguesa de Setúbal, na margem Sul do rio Tejo, e cedo acabou a jogar no Barreirense, onde deu nas vistas até à época de 2005/2006. Seguiu-se uma transferência para o União de Leiria, uma tíbia partida e empréstimos ao Olhanense e ao Pandurii da Roménia, na que foi a primeira incursão fora do país em que nasceu.

Mais tarde, em 2012, esteve um ano e meio no Chipre, ao serviço do Omónia Nicósia, tendo depois viajado para Angola, na que foi uma aventura falhada no 1º de Agosto, novamente devido a uma grave lesão. Em 2015 regressou à ilha do Mediterrâneo para vestir as cores amarela e azul do AEL Limassol, onde já está há três épocas seguidos, sempre como titular indiscutível.

Este pode não se o melhor momento da sua carreira, e o próprio atleta admite-o, mas é aquele em que tem tido maior estabilidade, sem lesões graves que o impeçam de mostrar tudo aquilo que sabe fazer em campo.

Seleção de Cabo Verde

“Curiosamente, cheguei a Chipre aos 31 anos, e, desde então, depois das lesões que tive, foram as épocas em que mais jogos fiz”, explica. “Fui o jogador com mais minutos jogados na última época do campeonato principal e disputei os jogos da Liga Europa, com o AEL Limassol. Além disso, esta época não tive férias por causa dos jogos da seleção. Aliás, já estava a precisar das férias que agora vou ter, porque já vou em quase 90 jogos sem descanso. É obra conseguir isto aos 33 anos e depois do que passei. Mostra como consegui dar a volta a tudo o que de mau aconteceu antes.”

Ferro na tíbia e o jogo psicológico do treinador Cajuda

Façamos um breve historial clínico, pelo menos ao caso que mais dores de cabeça deu a Marco Soares. A primeira grande lesão teve-a quando estava no União de Leiria, uma tíbia partida que o obrigou a uma paragem de 14 meses e a três idas à mesa de operações. Tão grave foi o caso que “na primeira operação tive de meter um ferro do joelho ao pé”, enquanto na seguinte “tiraram osso da cintura para fazer um enxerto”, relembra. A terceira cirurgia já foi para “fazer buracos na tíbia, para acelerar a regeneração”. (Se chegou aqui e não ficou agoniado com o relato, parabéns, está preparado para ser profissional de futebol.)

“Cheguei a pensar que não jogava mais futebol”, confessa. “Felizmente, as operações foram impecáveis, e, neste momento, não sinto dor alguma na perna.”

Já agora, sabia que antes desta lesão o capitão de Cabo Verde esteve prestes a ir para a Primeira Liga inglesa? O interesse veio do Sunderland e do Newcastle United, diz o jogador, fruto do bom momento que atravessava. Mas tudo desvaneceu-se ao som de osso a partir-se, devido a uma fissura anteriormente mal tratada.

Valeu-lhe o treinador português Manuel Cajuda, à época no Leiria, mestre em treinar a mente dos atletas com quem trabalha: não é só no aspeto técnico, táctico e estratégico que se ganham jogos e taças.

“Estava eu a correr em volta do campo, durante a fase de recuperação, quando o Manuel Cajuda chegou ao pé de mim e disse-me ‘epá, eu vejo-te bem’. Aquilo era um jogo psicológico que estava a fazer comigo, só que eu, ainda desgastado com tudo o que tinha passado, disse que ainda tinha dores. Foi então que virou-se para mim e disse-me uma frase simples: ‘Tu és um sortudo, porque em vez de partires as duas pernas só partiste uma’. Aquilo era o que precisava de ouvir naquele momento, Motivou-me. Vi que, apesar do meu azar, eu poderia estar pior, e que temos de ser positivos a pensar e a analisar as coisas.”

Tanto assim foi que, três semanas depois, estava a jogar outra vez. “Regressei num jogo contra o Vitória de Guimarães, numa posição que nem era a minha, a de central, e acabei por ser o melhor em campo. Claro que o nascimento da minha filha, nessa altura, também me motivou bastante.

E qual é mesmo o lugar que prefere ocupar dentro das quatro linhas? Vamos refazer a questão: qual a estrela do futebol mundial com a qual mais se identifica? “Com o Xabi Alonso”, dispara, após pensar durante um pouco. A antiga estrela do Liverpool, Real Madrid, Bayern Munique e da seleção espanhola, um médio centro, mais recuado, que ainda hoje deixa saudades.

O ‘peso’ de ser capitão

Primeiro grande momento em que o estofo de capitão veio ao de cima? Ainda no União de Leiria, os jogadores revoltam-se contra os salários em atraso, mas houve uma pessoa que decidiu dar a cara antes de tudo terminar numa rescisão coletiva, “não contra o clube, mas porque tinha de defender os meus colegas, porque era eu líder da equipa, o capitão”, explica.

“Sinto muitas vezes o peso da braçadeira de capitão, porque sou muito perfeccionista, e isso acaba por ser um defeito e uma virtude. É um defeito porque acabo por carregar nas costas muitas coisas que me ultrapassam. É algo que faz parte de mim. Sou muito responsável, muito exigente comigo próprio.”

Após a rescisão, veio a indefinição quando ao futuro. “Tinha a segunda filha quase a nascer, ainda coxeava, e não sabia quem é que poderia apostar em mim. Vivi um mar de incertezas. Mas tudo correu bem e acabei por ir jogar para o Chipre”.

Um sub-20 “desapontado” que preferiu jogar por Cabo Verde

27 de Maio de 2006. O estádio do Lusitano, em Évora, recebeu o amigável entre Portugal e Cabo Verde (derrota dos Tubarões por 4-1), mas foi ao minuto 84 que se deu um dos momentos altos da carreira de Marco Soares: a estreia pela seleção nacional.

O destino é caprichoso, já que antes de jogar pelas cores da bandeira de Cabo Verde teve de abdicar de vestir as de Portugal. Uma escolha entre a terra que o viu nascer e o arquipélago onde residem as suas raízes. O que o fez decidir?

“Representei os sub-20 de Portugal e, à época, tinha acabado de ir para o União de Leiria. Eis um miúdo de 20 anos, a jogar na primeira liga e com futuro, e todos me perguntavam porque preferi Cabo Verde. Eu vou explicar o motivo. Tinha acabado de ser convocado para a seleção portuguesa de sub-20, e o então treinador, o Rui Caçador, fez-me vários elogios à frente de todos, por ser um exemplo do que ele queria: um jogador jovem a jogar pelo seu clube e na primeira liga, coisa que então não acontecia muito.

“No entanto, acabei por não ser convocado para alguns torneios de sub-20, incluindo o de Toulon, pelo que fiquei desapontado e magoado pelas escolhas do Rui Caçador, apesar de as ter respeitado. Foi ele que me deu alento, só que depois… Foi então assim que, pela minha cabeça, optei por jogar por Cabo Verde. Foi uma das melhores decisões da minha carreira. Uma das minha maiores alegrias é quando ganhamos e vemos a nação inteira a vibrar com elas.”

E o Mundial ali tão perto…

A campanha na Taça das Nações Africanas (CAN) de 2013 ficou para a história de Cabo Verde, com uma performance épica que catapultou os Tubarões até aos quartos-de-final, onde acabaram por registar a única derrota, frente ao Gana.

Seguiu-se nova participação do país na CAN de 2015, mas dessa vez o selecionador Rui Águas (que agora está de volta ao lugar) preferiu deixar Marco Soares de fora dos convocados, numa decisão polémica – o jogador sofrera uma séria lesão no joelho no início desse ano, e ainda estava a tentar recuperar a forma. Um momento que lhe “custou bastante”, embora revele não sentir mágoa alguma para com o técnico português: “nada disso”, afirma contundentemente.

Mas o grande balde de água fria, em termos coletivos, aconteceu um ano antes, quando Cabo Verde pensava estar apurada para o play-off de acesso ao Mundial de 2014, após vencer fora a Tunísia por 2-0. “Jogámos tão bem que, a certa altura, os adeptos da Tunísia já nos batiam palmas e gritavam ‘olé’”, relembra com orgulho. Um sonho que desapareceu pouco depois na secretaria, com a seleção a ficar de fora por ter usado irregularmente um jogador.

Não obstante, ainda há muito trabalho para fazer, garante Marco Soares, pois a seleção “ainda não tem condições que lhe permita ombrear com as grandes seleções africanas” e pensar a sério no apuramento para um Mundial, avisa.

“Cabo Verde chegou a número um de África no ranking da FIFA [publicado em Março de 2016] e ocupou o 31º lugar a nível mundial. Contudo, na altura alertei as pessoas para não se iludirem com essa classificação. É-nos dado tudo para termos condições, mas falta-nos recursos. No ano passado podíamos ter ido ao Mundial, mas a verdade é que ainda não estamos preparados para lá ir. Falta uma estrutura em redor da seleção, apesar de já termos uma equipa que não fica atrás das outras.”