"O insulto, propositadamente exagerado, faz parte da linguagem" dos adeptos e isso tem de ser levado em consideração para definir limites, afirmou à AFP o sociólogo Nicolas Hourcade, professor da Ecole Central de Lyon e membro da Instância nacional das claques em França (INS na sigla em francês).

A posição do académico vem na sequência das declarações da ministra dos Desportos de França, Roxana Maracineanu, que disse serem "inadmissíveis" os cânticos dos adeptos do PSG durante o clássico contra o Olympique de Marselha.

"Na linguagem das bancadas de futebol, os insultos são recorrentes. Os adeptos organizados rejeitam a moral do fair-play. Para eles, o desporto é um combate entre dois lados, no qual podemos desacreditar o adversário, e o insulto, propositadamente exagerado, faz parte da linguagem do futebol. Os adeptos organizados oscilam entre o humor e a agressividade, faz parte da cultura do futebol. É isso que Nathalie Boy de la Tour [presidente da LFP, Liga de Futebol Profissional em França] quis dizer quando falou em 'folclore'", comentou o académico.

Nicolas Hourcade defende, no entanto, que é preciso haver limites.

"A questão é: até onde podemos tolerar os insultos? A ideia é fazer um trabalho juntamente com os adeptos sobre esses temas. As condenações morais vindas de fora não têm qualquer efeito. Por outro lado, conversar com as personagens envolvidas, entender essa cultura na qual o insulto ao adversário já está profundamente enraizada e a violência verbal aceite, e tentar traçar linhas intransponíveis, parece-me ser algo mais útil", respondeu.

Questionado se seria possível termos avanços mais rápidos na luta contra os cantos racistas do que contra os insultos homofóbicos, o professor da Ecole Central de Lyon lembrou que, na questão do racismo, todos tomaram consciência da sua gravidade.

"Sobre o racismo, houve uma consciencialização de todos os envolvidos. Graças à ação de associações como a Licra [Liga internacional contra o racismo e o antissemitismo] e da consciencialização das autoridades públicas e desportivas, e dos próprios adeptos, que perceberam que o que consideravam como folclore quando imitavam gritos de macacos no fim dos anos 80-90 era claramente racismo. Esse tipo de insulto coletivo racista desapareceu dos estádios franceses, embora ainda exista em Itália, em Espanha... Sobre a homofobia, podemos imaginar o mesmo processo, a percepção de que alguns registos de insultos não são folclore mas sim claramente homofóbicos, por exemplo 'equipa X é formada por gays'. Em relação a insultos mais ambíguos, seria útil colocar todos os intervenientes à volta de uma mesa para conversar sobre o que se pode tolerar nos estádios de futebol", respondeu.

Na sequência dos incidentes no clássico francês, Roxana Maracineanu, Ministra dos Desportos de França, sublinhou que jamais levaria os seus filhos para ver um PSG-Marselha. O sociólogo Nicolas Hourcade percebe os receios mas lembra que um estádio de futebol é "um escape onde as pessoas se exprimem de maneira bastante cruas as suas tensões e contradições da sociedade".

"[Roxana Maracineanu] apresenta uma questão fundamental, sobre como deve ser uma experiência num estádio de futebol em particular. Será que tem de ser um espaço perfeito, puro, uma sociedade ideal onde não há insulto? É o modelo que as pessoas no mundo do futebol procuram desenvolver atualmente. Ou é um escape onde se exprimem de maneira bastante cruas as tensões e contradições da sociedade? Poderíamos imaginar uma situação intermediária, permitindo uma certa liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, definindo um limite a não ultrapassar? Quando dizemos que não podemos levar crianças para um estádio, então não podemos levá-los à escola também, onde o nível de insultos também é considerável. A indignação não pode ser selectiva. É preciso lutar contra o racismo e a homofobia, mas é preciso fazer isso de maneira global, não estigmatizando somente os adeptos, quando o mundo do futebol precisa evoluir nesse espeto", opinou.