Percorreu todos os escalões de formação do Benfica, onde esteve durante quase duas décadas. Ajudou a formar talentos como Bernardo Silva, João Cancelo, Gonçalo Guedes ou João Félix, ao mesmo tempo que acompanhou de perto uma mudança de paradigma no clube, que se acentuou com a inauguração do Caixa Futebol Campus, no Seixal (2006). A isto juntou dois campeonatos nacionais de juniores e duas presenças em finais da UEFA Youth League. Mas mais do que os títulos, o que enche de orgulho João Tralhão "é ver estes miúdos afirmarem-se ao mais alto nível".

“Um clube como o Benfica nunca vai conseguir formar se não incutir esta mentalidade vencedora nos seus jovens. Os títulos andam lado a lado com o objetivo de fazer chegar jogadores à equipa principal, mas não posso deixar de esboçar um sorriso quando vejo um jovem como o Bernardo Silva ser elogiado por um treinador da qualidade do Pep Guardiola”, afirmou o técnico de 38 anos ao SAPO Desporto.

O reconhecimento chegou há uns dias, quando recebeu o prémio de Treinador do Ano na Gala Cosme Damião, já depois de ter colocado um ponto final na ligação de 18 anos ao Benfica para integrar a equipa técnica de Thierry Henry no Mónaco, em outubro do ano passado – na altura comandava os sub-23. A experiência durou pouco mais de três meses, mas ajudou João Tralhão “a perceber que estava no caminho certo” enquanto treinador. O futuro deverá continuar a passar por um projeto ao nível do futebol sénior, com a possibilidade de dar continuidade ao trabalho com o antigo internacional francês.

Mas já lá vamos.

Como o Benfica passou a ser uma referência ao nível da formação

Muita coisa mudou desde que João Tralhão chegou ao Benfica, em 2001, quando o clube ainda era dirigido por Manuel Vilarinho. Na altura, o treinador estudava em Rio Maior e foi convidado para integrar um estágio nas escolas de animação das ‘águias’.

“A faculdade tinha um protocolo com o Benfica, em que os melhores alunos nesse ano tinham um estágio garantido nas escolinhas de animação. Era uma oportunidade de ouro para quem queria começar a trabalhar. Entretanto concorri à Faculdade de Motricidade Humana para estudar Educação Física, que era a minha primeira opção, e fui explicar a situação ao coordenador do curso de Rio Maior, que me disse que aquela vaga no Benfica era minha por direito”, começa por contar.

“A experiência despertou-me a paixão pelo treino: liderar uma equipa, criar exercícios, mas também lidar com grupos de jovens, que não é a mesma coisa que orientar uma equipa sénior”, refere João Tralhão, que na altura ainda jogava futebol no Real Massamá, na antiga 2.ª Divisão B. Chegada a altura de escolher entre as três vias, optou por ‘pendurar as botas’: “Sabia que o meu futuro não era por ali”.

No ano seguinte, João Tralhão passou para a competição como treinador adjunto dos infantis (sub-13), dando início a uma ligação umbilical com a formação do Benfica, que então atravessava uma longa travessia no deserto sem qualquer retorno importante das escolas – Rui Costa continuava a ser a grande referência desde o final da década de 80.

“Parecia outro clube. Não em termos de valores, porque esses são os mesmos, mas a nível de condições eram tempos bastante diferentes. Os treinos eram dados no campo dos Pupilos do Exército, que era um campo pelado. Tínhamos uma estrutura bastante limitada e não havia uma filosofia concreta ao nível da formação”, recorda João Tralhão, que aponta a chegada de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica, em 2003, como o “ponto de viragem”.

As melhores imagens da Gala Cosme Damião
créditos: SLB

“É verdade que o Benfica sempre teve formação, mas em alguns momentos da sua história não houve condições que permitissem acompanhar a dimensão do clube. Até aparecer o presidente Luís Filipe Vieira, que teve uma visão. Entendeu que o futebol de formação teria de ser um dos pilares do Benfica e criou as condições necessárias para que os jovens da casa pudessem chegar um dia à equipa principal. Além disso, criou uma estrutura muito profissionalizada, que hoje em dia está ao nível de outras estruturas de futebol profissional por essa Europa fora”, explica.

“Seria injusto dizer que Sporting, FC Porto ou mesmo SC Braga e Vitória de Guimarães não têm uma formação de excelência, mas a verdade é que o Benfica cresceu a uma velocidade muito diferente de todos os concorrentes em Portugal. Neste momento já está noutro patamar”, considera.

E a que se deve este crescimento sustentado do Benfica? “É um trajeto de vários anos, que requereu muito trabalho e dedicação. Foi preciso encontrar as pessoas certas para os lugares certos, e depois ter atenção a outros pormenores, como o recrutamento, o método de treino, o modelo de jogo... E a partir daí criou-se uma filosofia que é transversal a todos os escalões. Neste momento, se olhar para a equipa de oito anos do Benfica e depois para a equipa principal vai encontrar o maior número de semelhanças possível”, indica o ex-treinador das ‘águias’.

 "O Benfica cresceu a uma velocidade muito diferente de todos os concorrentes em Portugal"

Além de potenciar a 'prata da casa', para João Tralhão foi igualmente importante o investimento do clube nos próprios formadores: “Eu e os meus colegas fizemos vários estágios, promovidos pela estrutura de formação do Benfica, e visitámos várias academias de referência na Europa. Se queríamos estar ao nível dos melhores, era preciso conhecer de perto os melhores. Deu para perceber que havia muita coisa que estava a ser bem feita do nosso lado, mas também verificámos que era preciso afinar outras questões para continuar a acompanhar o ritmo dessas academias.”

Não querendo comparar diretamente o modelo de formação do Benfica com outras referências a nível internacional, o treinador de 38 anos não duvida que a academia do Seixal já é “um caso de estudo” lá fora. “Não sou eu que o digo, basta olhar para as notícias que saem nos jornais estrangeiros”, diz.

Um Benfica 100% 'made in' Seixal? “É esse o caminho”

Com a promoção de quatro jovens à equipa principal em janeiro, tornou-se recorrente ver no onze-base do Benfica vários produtos da formação como Rúben Dias, João Félix, Ferro e Florentino, estes dois últimos mais recentemente. O exemplo mais gritante desta mudança de paradigma foi a vitória (2-1) em Istambul, frente ao Galatasaray, na primeira mão dos 16 avos de final da Liga Europa. Então, Bruno Lage lançou no onze seis jogadores da casa: Rúben Dias, Ferro, Yuri Ribeiro, Florentino Luís, Gedson e João Félix, com uma média de idades de 22,9 anos.

A pergunta impõe-se: para quando um Benfica totalmente composto por jogadores da formação? “Acredito que é possível e deve ser esse o caminho. Há uma valorização crescente do jogador português e os resultados estão à vista, não só nos clubes, mas também nas seleções. O objetivo é continuar a criar condições para que estes jovens possam ter oportunidade nos seus clubes quando chegam a seniores. Não só no Benfica, que já está a marcar a diferença neste aspeto, mas na generalidade do futebol português”, advoga.

“Muito se tem falado dos jovens ultimamente, mas não nos podemos esquecer daqueles que lhes dão suporte no momento em que chegam aos seniores. Porque uma coisa é a formação, outra coisa muito diferente é jogar na equipa principal de um grande clube. E ninguém melhor que os jogadores mais experientes, como um Jonas ou um Luisão, para ajudar um jovem nessa fase de transição. O próprio Bruno Lage já referiu isso”, afirma o técnico.

Importa realçar que João Félix (32 jogos), Ferro (10), Florentino (7) e Jota (4) estrearam-se esta época pela equipa principal, sendo que o atual treinador do Benfica ainda tem à disposição Rúben Dias (45), Gedson (39) e Yuri Ribeiro (7). A possibilidade de promover talentos oriundos da formação todos os anos não está colocada de parte, até porque o projeto do Benfica, segundo João Tralhão, tem vindo a consolidar-se nesse sentido.

"Quando chegou a capitão nos juniores, o Bernardo [Silva] passou a ter um peso muito grande nas suas costas, graças ao talento e às capacidades que tinha. Mas aprendeu a lidar com o protagonismo. É também aí que se começa a perceber quem está ou não preparado"

“Sinceramente, prefiro não falar em gerações ou ‘fornadas’, mas antes em projeto. Claro que todos os anos vão surgir jogadores com características diferentes, não posso garantir que todos tenham a qualidade de um João Félix ou de um Florentino, mas há um projeto sólido pensado não só para o presente, mas também para o futuro. Uma coisa é certa: vão continuar a aparecer jogadores de enorme qualidade e preparados para esta realidade de competição”, assegura João Tralhão, que destaca a importância da equipa B (reiniciada em 2012).

“Passou a haver mais um espaço para os jogadores crescerem e mostrarem o seu valor. Antes da criação das equipas B e sub-23, os juniores estavam no topo da pirâmide da formação. Na altura, era mais difícil para um jovem perceber o que seria o futuro e, infelizmente, alguns jogadores não conseguiram afirmar-se na equipa principal. Não é que tenham sido desaproveitados, alguns conseguiram encaminhar a sua carreira, mas era um contexto diferente”, explica.

Entre os que ‘ficaram pelo caminho’, há um nome que o técnico não esquece: “Paulo Teles [atualmente no Praiense]. Cruzei-me com ele no meu primeiro ano como treinador dos juniores [em 2011/2012] e na altura ele já pensava como um sénior. Infelizmente não teve uma carreira muito mediática, mas foi um jogador que me marcou bastante.”

“Ainda vão aplaudir o Bernardo Silva na Luz”

Bernardo Silva, um dos talentos que passaram pelas mãos de João Tralhão e que está a dar cartas no futebol internacional, lamentou numa entrevista ao jornal Record que o Benfica não tenha aproveitado a geração de 1994, a mesma de João Cancelo e Hélder Costa, por exemplo.

Bernardo Silva elogia João Félix e Bruno Lage e lamenta: "Foi pena o Benfica não ter aproveitado a minha geração"
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O atual médio do Manchester City fez toda a formação nos ‘encarnados’, mas cumpriu apenas três jogos na equipa principal, em 2013/14, acabando por ser vendido ao Mónaco no final dessa temporada por 15,7 milhões de euros.

“Agora seria fácil estar a falar do Bernardo e do que poderia ter acontecido se continuasse no Benfica. Provavelmente não era o momento mais indicado para ter a sua oportunidade na equipa, por um conjunto de fatores que eu não domino e também não quero comentar. O momento era outro, não dá para comparar com o que está a acontecer agora no clube. Não é culpa de ninguém”, começa por analisar o ex-treinador da formação do Benfica.

“Na altura disse-lhe que o futebol ia ser o mais grato possível para ele, porque ele estava no caminho certo, o que veio a acontecer. Sair para o Mónaco também foi um passo importante na carreira dele, porque teve a oportunidade de jogar num grande clube, onde o contexto também o ajudou, pelo treinador que teve [Leonardo Jardim] e pelo campeonato que é. Não vejo com nenhuma mágoa o percurso que o Bernardo acabou por ter e acredito que um dia toda a gente vai aplaudi-lo no Estádio da Luz, com a camisola do Benfica”, afiança.

Para João Tralhão, que não esconde o “orgulho” por ver um produto das escolas do Benfica afirmar-se ao mais alto nível em Inglaterra, há uma explicação para o sucesso de Bernardo Silva.

“O Bernardo é um jogador muito completo porque passou por diversas fases ao longo do seu trajeto, fases de sucesso, fases de insucesso… Não foi tudo um mar de rosas para ele, houve alguns momentos do seu percurso na formação em que não foi utilizado com regularidade, mas isso permitiu-lhe criar outro tipo de competências, como a resiliência, a capacidade de superar obstáculos, que outros jovens, por exemplo, não conseguiram. Já noutra fase, quando chegou a capitão nos juniores, o Bernardo passou a ter um peso muito grande nas suas costas, graças ao talento e às capacidades que tinha. Mas aprendeu a lidar com o protagonismo. É também aí que se começa a perceber quem está ou não preparado”, explica o técnico.

“Hoje em dia, quando ouvimos um dos treinadores mais conceituados do mundo [Pep Guardiola] falar tão bem de um jovem que foi formado por nós, acho que não só eu como todas as pessoas que acompanharam o Bernardo devem sentir-se orgulhosos. Porque o Bernardo não aprendeu a jogar futebol aos 23 anos, há todo um percurso que vem de trás. O mesmo em relação ao João Cancelo, ao Gonçalo Guedes... Esse é o melhor reconhecimento do nosso trabalho”, refere.

Com a contratação de Rui Vitória, em 2015, outros nomes tiveram a oportunidade de se estrear na equipa principal do Benfica, o que levou a muitas comparações com Jorge Jesus no que diz respeito ao aproveitamento da formação. Para João Tralhão, que chegou a reunir-se “muitas vezes” com os dois treinadores, essa mudança de paradigma não se resume a quem está no banco.

“Claro que são treinadores diferentes, cada um tem a sua forma de pensar o futebol, mas ambos tiveram sempre preocupação em olhar para baixo e perceber o que se passava ao nível da formação. No momento em que Jorge Jesus treinava o Benfica, a formação ainda vivia uma fase mais prematura e não havia um contexto tão favorável para lançar jovens. Com Rui Vitória, o projeto já estava numa fase mais consolidada, como agora ainda está mais. E assim continuará”, afirma.

A mentalidade competitiva e a capacidade de formar que não é para qualquer um

No currículo de João Tralhão constam dois títulos de campeão nacional de juniores (2012/13 e 2017/18) e duas presenças na final da UEFA Youth League (2013/14 e 2016/17). Isto porque, de acordo com o técnico, os resultados sempre fizeram parte da estratégia do clube, a par do objetivo de fazer chegar jovens à equipa principal.

“Algo muito errado se passava se estivéssemos a formar sem incutir esta mentalidade competitiva nos jovens. As duas coisas sempre caminharam lado a lado. No primeiro ano da Youth League, acho que só nós estávamos à espera de chegar onde chegámos. Porque sabíamos do nosso valor, sabíamos que tínhamos de entrar em todos os jogos com a ambição de ganhar, a jogar olhos nos olhos com equipas poderosas, que tinham investido muito naquela competição. O Benfica sempre teve uma cultura vencedora e isso é incutido nos jovens desde a base até ao topo”, revela o técnico, dando como exemplo a eliminatória dos quartos de final com o Manchester City, que, recorde-se, tinha Rony Lopes na equipa.

Gonçalo Guedes em ação contra o Barcelona, durante a final da UEFA Youth League, em 2014
Gonçalo Guedes em ação contra o Barcelona, durante a final da UEFA Youth League, em 2014 créditos: DR

“Era o principal candidato a vencer a competição, a par do Barcelona. Tinha investido muito na formação e tinha jogadores já com outro tipo de estatuto. Mas não tivemos medo, jogámos de peito aberto e conseguimos vencer as duas mãos. A partir daí começámos a acreditar que o sonho era real. E importa referir que grande parte dos jogadores dessa equipa nem eram sub-19, eram sub-18. Tal como depois na segunda final, em que o João Félix, o Gedson e o Florentino ainda estavam no primeiro ano de juniores. Isso acrescenta ainda mais valor ao que aqueles jovens fizeram”, elogia.

É precisamente por culpa dessa cultura competitiva que João Tralhão não ficou surpreendido com a “maturidade” com que a geração mais jovem deste Benfica se apresentou no Estádio do Dragão, frente ao FC Porto, ou em Istambul, diante do Galatasaray.

“Não me espanta porque conheço bem a mentalidade destes miúdos e a forma como eles são preparados. O Ferro já tinha sido capitão da equipa B, tinha muitos jogos nas pernas na Segunda Liga, o João Félix a mesma coisa. Portanto, quando chegam à equipa principal já estão preparados para não se deixarem intimidar pela pressão de jogar num terreno mais complicado, com um estádio cheio. O nosso trabalho também passa por ensinar os nossos jovens a focarem-se na sua tarefa, mais do que nos fatores externos que eles não conseguem controlar”, revela.

"Quando chegar o dia de um treinador olhar para um jovem para poder lançá-lo, ele sabe que tem ali um atleta preparado"

“Sabemos que o futebol profissional vive de resultados. E por força dessa necessidade de resultados, muitas vezes não é dado o tempo necessário a um jovem para que possa adaptar-se à equipa principal. É chegar e tentar ter sucesso. Recordo-me de em tempos o Renato Sanches estar a jogar contra o Galatasaray nos juniores e no jogo seguinte ter sido titular pela equipa principal contra o Astana. Passado pouco tempo já era um dos jogadores mais valiosos do clube. Todo este contexto que a formação do Benfica promove, desde o conhecimento do jogo à fomentação de um espírito competitivo, quando chegar o dia de um treinador olhar para um jovem para poder lançá-lo, ele sabe que tem ali um atleta preparado”, garante João Tralhão.

A missão de formar um jovem, no entanto, não é para qualquer um: “É algo que deve ser encarado com muita responsabilidade, porque não se trata só de futebol, também estamos ali a formar cidadãos. É importante haver um acompanhamento rigoroso destes jovens, também a nível mental e emocional.”

Lage, Félix e o ‘novo’ Benfica

A aposta do Benfica na prata da casa parece mais vincada nesta temporada, sobretudo depois da entrada de Bruno Lage, também ele oriundo da formação do clube. As boas exibições dos mais jovens têm convencido os adeptos e os resultados estão à vista: os ‘encarnados’ lideram o campeonato, com os mesmos pontos do FC Porto mas em vantagem no confronto direto, vão disputar os quartos de final da Liga Europa e estão em vantagem nas meias-finais da Taça de Portugal, contra o Sporting. Ora nada disto surpreende quem contactou de perto com estes jovens.

“Sabia que isto ia acontecer. Não sabia o ‘timing’ exato dessa ‘explosão’, mas sabia que era algo inevitável. Nada disto é fruto do acaso, é tudo consequência de um trabalho de grande profundidade. Assim como não me surpreende a forma como a equipa e o Bruno Lage deram a volta a uma situação que não estava muito fácil. O Bruno é um excelente treinador, preparou-se muito bem para chegar a este patamar. É uma pessoa muito obstinada no trabalho e no treino, e teve olho clínico para perceber o que tinha de ser melhorado”, afirma João Tralhão.

“Houve aqui uma clara aposta do Benfica nele e na equipa técnica que o acompanha, que também é muito jovem, mas uma aposta também a pensar no futuro, sabendo que ali estava uma pessoa que conhece muito bem a formação e o clube. Posso dizer que o Bruno é um pioneiro, porque o que aconteceu com ele vai servir de motivação para outros jovens treinadores jovens”, observa.

João Félix festeja um golo no Estádio do Dragão
João Félix festeja um golo no Estádio do Dragão créditos: LUSA/EPA/DR

Com 12 golos em 32 jogos disputados na presente temporada, João Félix é, por estes dias, uma das principais figuras do Benfica, tendo sido elevado ao estatuto de indiscutível precisamente por Bruno Lage. Sobre o camisola 79 dos 'encarnados', que tem despertado atenções junto de alguns 'tubarões' do futebol europeu, Tralhão só tem elogios.

“É um jogador muito completo, com competências técnicas, emocionais e mentais que surpreendem para a idade que tem. Ele joga na Luz ou noutro estádio qualquer como se estivesse a jogar com os amigos na rua. Porque desfruta do futebol. Consegue adaptar-se facilmente a qualquer contexto, por mais exigente que seja. Não me surpreende nada que ele esteja nas bocas do mundo”, relata o treinador, que rapidamente percebeu que havia ali algo de especial.

“Sim, o talento do João estava lá todo. Depois foi vê-lo crescer na formação do Benfica e a queimar etapas. Mas o que o distingue, para além do talento, é também o caráter e a humildade”, considera.

Quanto às chamadas que já recebeu a pedir informações sobre o avançado, de 19 anos, João Tralhão diz que perdeu a conta: “Tenho pessoas do futebol, colegas e amigos, que me ligam ou mandam mensagens a elogiá-lo e a reclamar, na brincadeira, por que é que não os convenci a contratá-lo. O Thierry [Henry] já me fala nele há muito tempo, é um profundo admirador das qualidades do João. Costumamos trocar vídeos quando o Félix faz uma daquelas individualidades que só ele sabe fazer.”

Mas João Félix não é o único a merecer elogios do seu antigo treinador, que vaticina um futuro brilhante para qualquer produto da formação do Benfica atualmente ao serviço da equipa A.

"Rúben Dias tem um perfil de líder como poucos no futebol português e mundial; Ferro não é o típico central, mas tem características que numa equipa moderna fazem todo o sentido; Florentino tem um instinto defensivo como raramente vi e também marca a diferença na construção; Jota vai ser uma das maiores referências na sua posição daqui a uns anos, é muito rápido e inteligente; Gedson é um ‘box to box’ à antiga e um jogador que qualquer treinador gostaria de ter”, analisa.

"O João Félix joga na Luz ou noutro estádio qualquer como se estivesse a jogar com os amigos na rua"

No final da época 2015/2016, Renato Sanches rumou ao Bayern Munique com apenas um ano disputado na equipa A. Irá o cenário repetir-se com outros jogadores neste ano? “Não lhe consigo responder a isso. É evidente que há clubes na Europa com muito poder económico, que oferecem a oportunidade de jogar em campeonatos competitivos e com outro tipo de projeção que Portugal ainda não consegue acompanhar. Tudo isso é um atrativo para qualquer futebolista”, considera o ex-treinador da formação das ‘águias’.

Por outro lado, há quem já aponte ao potencial de jogadores como Umaro Embaló, extremo de 17 anos, e Tiago Dantas, médio de 18 anos, ambos da equipa B. “Sim, mas não são os únicos. Neste momento há muitos talentos a poder emergir, mas são miúdos que ainda têm algumas etapas por preencher e por respeito a eles, até porque os conheço muito bem, não lhes quero colocar essa pressão”, diz João Tralhão.

Do Seixal ao Principado

Três meses e 11 dias foi quanto durou a experiência de João Tralhão no Mónaco. O convite para rumar ao futebol francês surgiu através do amigo Thierry Henry, que conheceu enquanto tirava o curso UEFA Pro (Nível IV), no País de Gales.

“Houve ali uma química natural com ele, pessoal e profissionalmente. Tornámo-nos bons amigos e quando surgiu a oportunidade de o Thierry ir para o Mónaco, perguntou-me se não o queria acompanhar. Foi um convite inesperado e não foi fácil deixar o Benfica ao fim de 18 anos, mas o sentimento de que tinha dado tudo ao clube deixou-me tranquilo na minha decisão”, conta o técnico, deixando uma palavra de agradecimento a Luís Filipe Vieira “pela forma como ajudou no processo”.

Chegado ao emblema do Principado, o treinador de 38 anos deparou-se com uma equipa afundada nos lugares de descida e assolada por lesões. “O clube estava numa situação muito frágil, tínhamos muitos jogadores lesionados, o que nos levou a chamar jovens da segunda equipa para desafios de muita exigência, como aconteceu na Liga dos Campeões. As condições não estavam criadas, mas acreditámos que era possível fazer alguma coisa por aquele grupo e começámos a trabalhar 24 horas sobre 24 horas”, explica.

Thierry Henry troca impressões com João Tralhão durante um treino do Mónaco
Thierry Henry troca impressões com João Tralhão durante um treino do Mónaco créditos: AFP

A equipa técnica liderada por Thierry Henry acabou por deixar o Mónaco no passado mês de janeiro, tendo ganho somente quatro jogos num total de 20 disputados. Para João Tralhão, faltou tempo para assimilar ideias.

“Provavelmente não foi o ‘timing’ ideal. Quando se entra num clube com ideias a longo prazo, o clube tem de estar estável em termos de classificação, e não era o que estava a acontecer naquele momento. O Mónaco é uma referência do futebol europeu, mas estava a atravessar uma crise de resultados difícil de explicar, onde não existiam culpados. Apesar de tudo, foi uma experiência enriquecedora, conheci pessoas que me ajudaram a perceber como funciona o futebol lá fora, tive oportunidade de trabalhar com jogadores como o Falcao, Fàbregas e Rony Lopes, que reencontrei”, sublinha.

Atualmente sem clube, João Tralhão encontra-se neste momento a analisar “vários cenários” ao nível do futebol sénior. Continuar a trabalhar com Henry, a quem reconhece “potencial” como treinador, é uma hipótese. A porta do Benfica, de resto, continuará sempre aberta: “Foi a casa que me fez crescer e é a casa que um dia me fará regressar.”